Não sei se vocês já repararam, mas tem sempre um espaço em branco quando nos aventuramos a contar nossas histórias de vida. Às vezes é uma memória reinventada, ou um passado que conhecemos pelo olhar dos nossos parentes, mas geralmente é um evento que por vezes se preenche rapidamente quando encontramos com algo familiar. No meu caso, isso acontece quando faço aniversário.
Nasci com uma doença neuromuscular chamada Distrofia Muscular, que só foi apresentar seus sinais quando comecei a dar meus primeiros passos. A partir daqui, me aventuro a reunir fragmentos de relatos de familiares, afinal era pequena demais para me lembrar de alguma coisa. Então as coisas podem ter sido assim ou “assado”.
Foi minha avó materna quem observou minha dificuldade em manter o corpinho firme durante a caminhada. Orientou que deveria ir a um médico ver se tinha algum “problema” comigo. Foi o início de uma série de idas e vindas a centros de reabilitação, hospitais e exames para entender o que me impedia de ser “normal” como o restante das crianças.
Quando descobriram meu diagnóstico determinaram que minha expectativa de vida seria até aos sete anos. Dificilmente sobreviveria mais do que isso, diziam os médicos.
Sinceramente, não consigo imaginar como deve ter sido para meus pais ouvirem uma coisa dessas. Minha mãe sempre me fala de um episódio em que o médico lhe confidenciou o que faria se tivesse um filho com o mesmo quadro que o meu: “eu me mataria”. Disse aquele que passou anos em uma faculdade estudando e se preparando para salvar vidas.
Mãe conta que ficou espantada com aquilo, mas que obviamente não seguiria o tal conselho. Essa situação, é claro, só me foi revelada já adulta e após uma série de questionamentos. O restante da família parecia saber do meu “prazo de validade” e, sem que eu soubesse começaram uma angustiante contagem de aniversários. Após os sete, veio a expectativa pelos 14 e, de repente, o tal número tornou-se uma espécie de carma.
“Minha mãe sempre me fala de um episódio em que o médico lhe confidenciou o que faria se tivesse um filho com o mesmo quadro que o meu: “eu me mataria”. Disse aquele que passou anos em uma faculdade estudando e se preparando para salvar vidas.”
Quando fiz 21 anos realizei um exame de DNA para conferir meu diagnóstico, naquela altura ninguém mais acreditava que meu diagnóstico estava correto. De fato, não. Ainda teria uma condição progressiva de perda muscular, porém sem datas me espreitando. A vida, finalmente, seria essa infinidade de possibilidades, de escolhas e horizontes.
Esse ano (2021) cheguei aos 37 anos e, de alguma forma, essas memórias me tomaram novamente. Talvez, porque o número sete tornou-se uma espécie amuleto na minha vida. Uma espécie de ciclo, foi o meu fim, mas também meu começo. Agora é esperar para ver o que esse novo giro me reserva. Podem ficar tranquilas, que volto aqui e conto para vocês.
P.S.: Quem gosta de numerologia, vai aqui uma curiosidade: o número sete também é a soma dos números do meu aniversário.
Fatine Oliveira para a coluna Corpos sem filtro
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