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Atualizado: 29 de dez de 2022
Desafio.
Essa palavra é frequentemente repetida nos discursos corporativos, motivacionais, nas entrevistas de emprego e até mesmo nas rodas de amigos. Gostar de enfrentar desafios, ter capacidade de superação, é o que se espera de um profissional bem sucedido e de uma pessoa bem resolvida.
O desafio nem sempre é um grande projeto ou representa uma mudança de vida, pode
ser uma pequena mudança de hábito. Não é a dimensão ou complexidade que define o
desafio, mas a superação que ele representa para cada um. Afinal, desafio é o ato de
instigar alguém a realizar algo além de suas competências e habilidades, como definido
no dicionário, o que o torna intrinsecamente individual e subjetivo.
"O desafio nem sempre é um grande projeto ou representa uma mudança de vida, pode ser uma pequena mudança de hábito. Não é a dimensão ou complexidade que define o desafio."
Reli hoje um texto escrito quando minha filha aprendeu a andar de bicicleta sem
rodinhas. Pode parecer algo simples e corriqueiro, já que a maioria das pessoas vence
essa etapa na infância. Mas era um desafio para uma menina de 6 anos.
Tiramos as rodinhas, embora ela ainda se apoiasse nelas e não conseguisse se equilibrar
nas duas rodas. Prometi que a seguraria e fui correndo ao lado dela, segurando no selim,
enquanto ela embalava suas pedaladas, tentando se equilibrar. Aos poucos, fui soltando,
e ela, adquirindo confiança. Até que já estava seguindo sozinha, pedalando na direção
do pai. A nossa menina que mal se concentrava nas pedaladas no começo, por estar
preocupada em repetir seu pedido para eu não soltar, em alguns minutos já se sentia
segura o bastante para dizer “não me ajuda”, mesmo quando saía em zigue-zague, quase
caindo.
Parava. Tentava uma, duas, três vezes, a cada retomada, mas conseguia dar o arranque
novamente e engrenar na pedalada. Isso é encarar desafio. Persistir, não desistir.
Desenvolver seu próprio método, sua forma de realizar, até se sentir segura. Superar-se.
Foi isso que eu registrei sobre a experiência de ver a minha filha dominando a bicicleta
sem rodinhas.
E por que eu estou me lembrando disso? Porque agora, já adolescente, os desafios dela
são outros, com obrigações estudantis, descoberta de si mesma e hormônios aflorando,
tudo misturado na sua cabecinha. E, no fundo, eu queria que ela dissesse para eu não
soltá-la. Mas sabe o que ela fez quando chegou do colégio hoje com a cabeça cheia e
desanimada? Trocou de roupa e foi pedalar. E voltou energizada e segura de si. Olhando
para ela ali, de semblante mais leve, eu percebi que tinha um pouquinho de mim
naquele processo.
Neste mês das mães, não poderia deixar de reconhecer que a maternidade me ensinou
muitas coisas, entre elas, a ser uma líder melhor.
Não vem aqui uma mensagem romantizada sobre a maternidade e carreira, não. Longe
de mim dizer que é simples conciliar a maternidade com a carreira! Nos primeiros anos,
então, é uma loucura! De gêmeos, precisaria de um livro para contar. É preciso muito
suporte para tudo dar certo, e isso, com dor e culpa. Mas a cada desafio vencido, a gente
se fortalece, a gente cria casca.
Quem dorme 3 horas por noite amamentando gêmeos, aprende a se restaurar em
velocidade máxima. Quem encara madrugada na emergência com filho e tem que estar
ativa no dia seguinte, aprende a tirar a energia de onde nem sabe que tem! Isso sem
contar que a probabilidade de voltar no dia seguinte com o outro filho por ter pego a
virose do irmão é altíssima.
Nenhuma ligação de cliente ou do diretor é tão alarmante quanto a ligação da creche.
Pode cair o mundo, o filho estando bem, o desafio do trabalho fica fácil.
Em relação à equipe, mais aprendizados. Quem vê os filhos gêmeos recebendo as
mesmas orientações ao mesmo tempo e se comportando cada um a seu modo, aprende a
respeitar as individualidades e a entender na prática que a comunicação não pode ser
feita de uma mesma forma para indivíduos diferentes. É preciso saber como se
comunicar com cada um.
E do mesmo modo que a minha filha na bicicleta, a gente aprende que não pode
simplesmente entregar a bicicleta para um membro da equipe e esperar que ele saia
pedalando. A gente precisa estar ao lado, correndo junto, mostrando que está ali para o
suporte necessário se ele desequilibrar. Mas depois que ele engrena, ele começa a se
aprimorar e a desenvolver seu próprio método. E no final, você vai se orgulhar ao ver a
sua contribuição refletida no seu desempenho.
Ser gestor é fácil, ser líder, não. Ser líder exige acompanhamento e suporte individual às
pessoas, para que cada um se desenvolva e entregue todo o seu potencial. No fundo, um
líder se parece com as mães, porque as mães de verdade são líderes natas.
A cada fase, o seu desafio. Na vida adulta, os nossos desafios de carreira,
relacionamento, maternidade, cuidado com nossas mães e pais, e tantos outros, têm a
mesma dimensão do desafio da bicicleta para uma criança.
"Está em dúvida sobre ser mãe e a sua carreira, se você sente que para se sentir plena precisa conciliar as duas coisas, siga em frente. É possível."
Se você, que está lendo essa coluna, está em dúvida sobre ser mãe e a sua carreira, se
você sente que para se sentir plena precisa conciliar as duas coisas, siga em frente. É
possível. Se você já é mãe que trabalha fora e está se sentindo esgotada, por mais que
pense em desistir, em abrir mão daquela função gerencial, daquela oportunidade que
sempre sonhou, lembre-se: como você, há muitas. É possível.
Não tem resposta certa. Simplesmente, faça o que for melhor para você. Mas não
esqueça: é possível. Por mais que você saia em zigue-zague, cambaleando, é só não
parar de pedalar.
Érica Saião para a coluna carreira
Encontre-a no Instagram: @erica.saiao