2 min

A festa da minha filha

Atualizado: 12 de set de 2022

Sempre tive muitas festas ao longo da minha existência. Sempre as aproveitei ao máximo, mesmo quando não me sentia completamente à vontade com meu corpo, com minha vida…

Com o passar dos anos, fui ficando com aquela preguiça habitual, na qual somos engolidas pelo senhor do tempo e nos forçamos a buscar outras formas para encontrar nossos momentos de prazer. Passei a valorizar mais ainda as homenagens para os meus amores, aqueles pelos quais tudo vale a pena! E assim segui com as festas infantis e me desdobrei para atender aos desejos mais plenos do meu inconsciente.

Realizei todas as minhas vontades na forma de pedidos atendidos das crianças, mas que eram, por certo, muito mais meus que deles, em um eterno looping de realizações pessoais a serem experimentados no campo da maternidade. Me vangloriei dos aplausos recebidos, sabendo que perfariam o caminho até meu colo, já que dele vieram os aniversariantes sorridentes que vislumbravam suas velas acessas.

Eis que, em vias de completar seus treze anos, minha Valentina declinou da oportunidade de ver-se rodeada de amigos em uma festa incomparavelmente maravilhosa. Minha surpresa logo se transformou em desapontamento e, quase sem querer, recorri a todo tipo de persuasão para concretizar os “nossos sonhos”.

"Parei de querer por ela e parei de querer algo que precisasse incluí-la dentro deste querer."

Ela, como sempre, relutou em aceitar e acabou aceitando com aquele sorriso doce e miúdo, como se me dissesse nas entrelinhas dos nossos códigos que ela não estava feliz com aquele escarcéu.

Fui até onde podia com minha insistência, não querendo abandonar a razão de que a festa seria dela, mas entendendo que eu precisava dessa festa para realizar meu desejo de vê-la rodeada de amigos em uma supercomemoração. Queria agradecer aos meus deuses a oportunidade de tê-la ali ao meu lado pelos últimos treze anos. Queria reverenciar seu brilho e sua vida. Queria tanto… até o momento em que parei de querer.

Parei de querer por ela e parei de querer algo que precisasse incluí-la dentro desse querer.

"Chamei minha filha e lhe disse que ela não precisava ter festa alguma se não quisesse e que sua única preocupação deveria ser em realizar todos os seus sonhos."

Entendi, por fim, que os sonhos, o desejo e a vontade eram dela, e não meus; entendi que ela deveria ser livre para escolher a forma como gostaria de comemorar seus aniversários, assim como escolheu se relacionar com suas opções não ortodoxas desde cedo, quando corria atrás das bolas nos jogos de futebol dos seus irmãos, quando optou por lilás porque detestava rosa e quando escolheu a única Barbie que poderia habitar seu mundo, aquela que tinha uma cauda de peixe e que podia mergulhar com ela na banheira.

Chamei minha filha e lhe disse que ela não precisava ter festa alguma se não quisesse e que sua única preocupação deveria ser em realizar todos os seus sonhos. Porque os meus ela já havia ajudado a realizar há treze anos, quando ela chegou.

Fui! (Festejar todos os dias…)

Cris Coelho para a coluna Aquela que habita em mim

Encontre-a no Instagram: @crisreiscoelho