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Adaptações que matam

Atualizado: 19 de dez de 2022

Série: saúde mulheres que amam mulheres

Corte vertical é o termo utilizado em determinada pesquisa científica com foco na saúde de mulheres que amam mulheres, dita com naturalidade ao se referir a alteração de um produto masculino para a prevenção de IST (infecções sexualmente transmissíveis).

A falta de preservativos para o sexo seguro entre duas mulheres que se amam foi respondida com espontaneidade, o problema é do machismo estrutural. Uma barreira de proteção também pode ser utilizada contra as IST complementando a pesquisa ao propor o uso de produtos para procedimentos odontológicos. Estas "adaptações" e falas abertas sem pudor ou respeito foram pronunciadas por pessoas responsáveis pelos cuidados e prevenção da saúde de mulheres de minha comunidade LGBTQIAPN+.

As evidências poderiam fazer parte de um passado longínquo, mas trata-se do século XXI e o ano é 2022. Iniciei meus estudos e pesquisas com o apoio de outras ativistas sobre a negligência da saúde de mulheres que se relacionam com mulheres em fevereiro deste ano, direcionado a inexistência de produtos para a prevenção de IST no Brasil.

A "Série Saúde Mulheres que amam Mulheres" é um projeto de escrita em parceria com a Revista Maria Scarlet por meio de relatos pessoais com objetivo de primeiramente denunciar e tornar público o descaso com a saúde de mulheres e apresentar no percurso os avanços e retrocessos na busca pela importação e desenvolvimento de preservativos para mulheres de minha comunidade LGBTQIAPN+.

A escrita recebe um tom contundente para dar voz às dores e a força na luta por direito à saúde das mulheres prevista em Constituição Federal Brasileira desde 1988.

E a certeza de concluirmos está série com os relatos e vitórias em êxito de maestria, uma vez que somos muitas e não seremos silenciadas.

"Não há público". disseram as três principais fabricantes de preservativos masculinos no país quando submeti por meio do SAC Serviço de Atendimento a Consumidora informações e pedido para o desenvolvimento e ou importação de preservativos para mulheres que amam mulheres.

Meus contatos foram majoritariamente com homens onde perguntas invasivas e machistas também não faltaram direcionadas a mim quando me referia "as adaptações", falas permeadas de curiosidades em diminuição ao amor genuíno entre duas mulheres, nivelados em fetiches, ironias e sarcasmo de quem goza diante do sofrimento e a irresponsabilidade com a saúde de mulheres, características do crime de homofobia, lei aprovada e equiparada ao racismo desde 2019.

Desde o início do projeto enfrento três camadas de vulnerabilidade que me abrem as chagas cujo patriarcado se deleita diante de mim e de todas nós mulheres LGBTQIAPN+. A cada avanço e retrocesso represento a voz de muitas e reitero que não seremos silenciadas.

A violência contra a mulher é diária e quando nos referimos às mulheres que amam mulheres esta se torna mais frágil diante de um país que se destaca em primeiro lugar no mundo em assassinatos de pessoas da minha comunidade LGBTQIAPN+.

Enquanto pessoas cidadãs deveríamos ter vergonha de ocupar determinada ranking.

Voltemos as três camadas de minha vulnerabilidade ao literalmente "romper com o status quo" e buscar o desenvolvimento de produtos para o sexo seguro entre duas mulheres.

A primeira camada é ser mulher, a segunda mulher lésbica e a terceira e mais frágil é expor a intimidade de um tema sensível que são as relações sexuais entre mulheres. E ao adentrar cada camada em tentativas de negociações com representantes tanto na esfera pública e privada tudo o que mais esperava era empatia, sororidade e respeito.

Entretanto o que recebia e continuo a receber são as vísceras da misoginia que me sugam as energias e me coloca a margem contrariando toda forma de direito universal concedida pela ONU Organização das Nações Unidas.

Neste primeiro relato da série cujo título objetiva apresentar as adaptações que matam convida cada pessoa à leitura a conhecer o corte vertical de um preservativo masculino sugerido por profissionais da saúde e qualquer matéria veiculada na mídia para citar os métodos de prevenção de IST para mulheres que amam mulheres.

As fotos representam as adaptações que fiz com uma tesoura a partir de um preservativo masculino e peço que se atentem a cada detalhe sem desviar a atenção, pois trata-se da negligência da saúde de mulheres de minha comunidade LGBTQIAPN+ e o ano é 2022, século XXI cujo avanço tecnológico é imensurável no que se refere ao desenvolvimento de novos preservativos para o público masculino.

Fotos de Cristina Stevanin na representação das adaptações que matam.

As adaptações de preservativos masculinos e a utilização de barreiras para fins de procedimentos dentários, além de desumano não é uma prática de proteção de IST.

Desta forma é possível confirmar que a falta de produtos para o sexo seguro entre mulheres, as deixam vulneráveis a Infecções sexualmente transmissíveis.

Os estudos científicos comprovam que há transmissão de IST em uma relação sexual entre mulheres, principalmente o HPV que pode levar ao desenvolvimento de um câncer de colo do útero com consequências graves levando uma mulher a óbito.

Ao questionar a ouvidoria do SUS Sistema Único de Saúde do Município de São Paulo a primeira orientação que recebi para a prevenção de IST no sexo entre mulheres foi o corte vertical de um preservativo masculino.

No entanto, ao questionar onde estavam os protocolos de saúde sobre esta diretriz, uma vez que todo preservativo masculino só pode ser comercializado ou distribuído nas UBS Unidas Básicas de Saúde com a aprovação da Anvisa e inspeção do Inmetro. A resposta foi fria e desumana ao orientar que uma prática de adaptação de preservativo masculino em corte vertical é única e exclusiva responsabilidade da cidadã.

Ao questionar o responsável pela área de saúde e prevenção de IST no Município de São Paulo, a resposta foi mais insensível ainda ao dizer que bastava utilizar o preservativo feminino.

O preservativo feminino foi desenvolvido e aprovado pela Anvisa para comercialização ou distribuição gratuita junto às UBS com foco na relação sexual de penetração.

Desta forma o produto não atende as necessidades de proteção de IST entre mulheres que amam mulheres simplesmente por não cobrir seus clitóris, uma das fontes mais belas de prazer em toda mulher com vulva.

Logo, orientamos que não apenas as mulheres de minha comunidade LGBTQIAPN+ estão vulneráveis a IST no sexo oral por exemplo, mas toda mulher com vulva que o recebe também, seja em uma relação sexual homoafetiva ou heterossexual.

O projeto titulado "Preservativo Safico" em homenagem a filósofa Safo de Lesbos cujo amor entre duas mulheres durante sua vida na cidade de Lesbos na Grécia nunca foi tabu, seguimos com a abertura de novas frentes em parceria com empresas que efetivamente possuam em suas diretrizes e bases éticas a responsabilidade social.

Hoje o projeto é formado por um coletivo de mulheres que amam mulheres cujo objetivo é garantir a saúde de todas as mulheres da comunidade LGBTQIAPN+.

Até o próximo capítulo convidamos você mulher a realizar seus exames de prevenção, principalmente os específicos na identificação de IST.

Procure a unidade básica de saúde de sua região para atualizar seu calendário de vacinação, saiba que a vacina de hepatite B pode ser aplicada em pessoas adultas e a HPV para meninas de 9 anos até os 14 anos.

Esperemos na próxima série saúde mulheres que amam mulheres compartilharmos novos avanços do projeto e não apenas retrocessos.

Cordialmente Cristina Stevanin.

Cristina Stevanin para a coluna LGBTQIAP+