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As dificuldades da gravidez

Atualizado: 15 de jan de 2023

Quando tive meu segundo filho escolhi parto Cesária. Cheguei ao hospital no horário combinado. Era a única parturiente para Cesária naquela manhã. Atrasou. Eu fiquei ansiosa. Pensei muitas vezes em desistir, afinal de contas, eu nem estava em trabalho de parto. Eles me colocaram em uma sala com quatro novas mamães. Todas com uma semana de cesariana, e quando descobriram que eu aguardava a minha vez de estar naquela posição, começaram a enumerar os pontos ruins. “Há uma semana eu não vou para minha casa. A dor não me deixa subir as escadas. Estou na casa da minha sogra, embaixo da minha, e eu odeio a minha sogra” uma delas narrou. No mesmo instante me lembrei de que morava no quarto andar de um pequeno edifício sem elevadores.

“A dor depois é insuportável. Nunca me arrependi tanto” a outra disse, e eu me lembrei que sou fraca, muito fraca para dor. “Eu ainda não consigo carregar meu filho. Qualquer peso pode romper seus pontos” ouvi da terceira mamãe, e foi quando decidi que poderia passar mais uma semana repensando o procedimento.

Lembro que desci a rampa, entrei na recepção e falei para o meu marido “eu quero ir embora”. Todo mundo ficou assustado comigo. Meu marido foi na recepção, uma enfermeira foi me buscar, me colocaram em uma sala sozinha, todos gentis e educados, mas eu já estava em pânico. No momento em que aplicaram a anestesia em mim, eu não conseguia respirar.  Crise de ansiedade.

Medo. Muito medo.

“Nunca contei isso para ninguém, mas acho que perdi o momento de me alegrar com o nascimento do meu filho, os seus primeiros segundos nesta vida. Porque eu sentia medo.”

Meu filho nasceu por uma equipe linda, todas mulheres, todas gentis e alegres. Havia música, emoção, minha irmã fotografava e chorava enquanto eu pensava: eu não vou conseguir. Nunca contei isso para ninguém, mas acho que perdi o momento de me alegrar com o nascimento do meu filho, os seus primeiros segundos nesta vida. Porque eu sentia medo.

E o mais estranho é que estou narrando isso aqui para entrarmos em um assunto delicado, sensível, ainda escondido e que precisamos desromantizar, falar, gritar se for necessário. Nunca nos calar. Eu estou falando da violência obstétrica. E agora você vai dizer: ah, você não passou por isso. A equipe foi fantástica! E é a mais pura verdade. Tiro meu chapéu para eles. Mas a questão é: quando começa a violência contra uma gestante? E eu te digo: a do parto é mais uma delas.

Nossa, esse assunto é tão extenso que nem sei em quantos artigos conseguiremos falar. São tantos “is”, “mas”, “poréns”, pontos, vírgulas, exclamações e interjeições. Por isso quis abordá-lo após a ideia da escolha do parto.

Você engravidou, você vai ter esse filho, você escolhe como terá esse filho. E você consegue identificar a primeira violência deste momento? Um ponto importante: mulheres foram criadas para rivalizar. Uma sociedade hipócrita que cultua o linda, educada e do lar, vai também te dizer que você engravidou do cara errado, ou na hora errada, cedo demais, tarde demais, porque é vagabunda, porque é boba, porque estava desesperada, para prender o cara, para garantir a vida. Em seguida eles vão te dizer que você é louca por escolher ter o filho em casa, que é metida por querer se exercitar, meditar e tomar as vitaminas necessárias, que é doente por abrir mão do que acabei de ditar, que é desequilibrada por seguir a vida como se um ser não estivesse em seu ventre, que é idiota por engordar enquanto o companheiro ou companheira se mantém “atraente”. E  assim segue uma sucessão de agressões e violências que se acumula e um dia precisará sair. Como? Sinceramente, não sei. A verdade é que você estará errada independente da maneira como acontecerá, porque você é mulher e isso é o suficiente para que não apenas os homens, e Deus tenha piedade de nós, mas as próprias mulheres se achem no direito de chutar.

Então, não lembro, mas é provável que eu tenha passado por minúsculas situações durante a minha gestação e quando aquelas mamães conversaram comigo, o gatilho acionou. E de nada adiantou uma equipe composta por pessoas decentes, estava tudo lá, me impedindo de viver o que deveria ser o melhor momento da minha vida, porque eu escolhi vivê-lo. Talvez você não entenda o objetivo desta conversa, mas chegaremos lá. Chegaremos nas equipes irresponsáveis, porque, sim, amigas, eu não estive na situação, mas foram no total (contando as duas gestações), seis dias em uma maternidade, dois em uma área específica para partos e eu vi muita coisa acontecer.

Mas, por enquanto, neste primeiro momento, eu queria te conscientizar, como gestante ou amiga, vizinha, mãe ou colega de trabalho de uma gestante, que a violência começa no primeiro momento da gravidez. Por um ou por outros. E enquanto o mundo não se conscientizar disso, nós precisamos umas das outras. As mulheres por uma questão ridícula de gênero precisam dessa rede de apoio. As gestantes ainda mais.

Então, desromantizem as dificuldades descritas como forma de conselho, ou desabafo. Você não precisa disso, a gestante não precisa, nenhuma mulher quer esse fardo. E se isso for desejar um mundo de pintura de quadro ou comercial de margarina, caramba, mas que mulher grávida não desejaria um dia disso? Então permita.

Desromantize os conselhos não solicitados.

Tatiana Amaral escreve para a coluna Maternidade