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Devaneios sobre empoderamento

Atualizado: 20 de fev de 2023

No Mês da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Quando se pensa sobre o sentido da palavra “Empoderamento” o que vem a sua mente?

Fiz essa pergunta para algumas pessoas e cheguei a conclusão que a maioria das respostas tem o conceito de empoderamento pelo capital, baseado na aquisição, pela compra, um fato que não surpreende muito, devido a força do capitalismo nos últimos tempos.

De forma alguma, quero apontar respostas certas e erradas para esta pergunta, mas não podemos negar que pensar no empoderamento a partir do capital, traz reflexos demarcadores a partir de uma discussão de raça e gênero, e é esse o cerne da questão.

Para iniciar esta conversa, precisamos entender quem é o detentor do capital hoje, o homem branco continua tendo seu salário superior ao de mulheres em um mesmo cargo na maioria das empresas, e mulheres brancas continuam recebendo mais que mulheres pretas, isso quer dizer que mulheres e homens brancos possuem mais chances de serem empoderados que homens e mulheres pretas? E se pensarmos sobre as oportunidades de formação e trabalho no país, será que é difícil identificar qual cor teve mais oportunidades?

Ainda gera uma estranheza entender que mulheres pretas estão pensando em empoderamento, entendendo sua beleza, buscando a valorização de seus traços, o poder do conforto, o poder de passar horas em um salão ou até mesmo passar um dia simplesmente procrastinando. Estranhar que existam pessoas que têm em sua vida essas possibilidades, é um problema, e eu me atrevo a dizer que empoderamento nada mais é, que o poder de decisão, este que ainda é negado.

“Ainda gera uma estranheza entender que mulheres pretas estão pensando em empoderamento, entendendo sua beleza, buscando a valorização de seus traços, o poder do conforto…”

No dia 25 de julho, é celebrado o dia da mulher negra latino-americana e caribenha. No Brasil, também podemos nomear a data como Dia Nacional Tereza de Benguela, devido a sua importância como líder quilombola e sua luta por duas décadas a favor da comunidade negra e indígena, e poucas mulheres no país conhecem Tereza, tampouco a data que tem o intuito de reforçar uma luta histórica contra uma sociedade misógina, machista e racista.

Tereza de Benguela liderou um quilombo no século XVIII, e foi responsável pela sua

existência durante duas décadas, este fato ocorreu há três séculos. e muito de Tereza ainda existe hoje, na vivência de mulheres que mantém o lugar da força da mulher matriarca dentro de suas famílias.

Na série brasileira “Coisa mais Linda”, temos essa situação exemplificada de forma concreta, e eu sinto muito meus caros leitores, mas teremos uma pílula de spoiler. Em uma cena que Malu, uma jovem branca que busca seu espaço na sociedade e a oportunidade de trabalho, dialoga com Adélia, sua amiga:

– Malu: “Eu estava lutando pelo meu direito de trabalhar. Eu deixei meu filho na casa

da minha mãe. Eu estou tentando fazer alguma coisa pela minha vida, só que tá muito

difícil.”

– Adélia: “Chega, Malu! ‘Lutando pelo meu direito de trabalhar?’ Eu trabalho desde os

8 anos de idade. A minha avó nasceu em uma senzala e é difícil. Eu trabalhei 6, 7 dias

na semana, saía de casa às 4 horas da manhã, ficava mais de uma hora no ônibus na

ida, mais de uma hora no ônibus na volta, e chegava em casa e a Conceição estava

dormindo. Tudo isso para pôr um prato de comida na mesa. Isso sim, pra mim é

relevante. […] Seu filho já te pediu alguma coisa que você nunca vai poder dar? A

minha já.”

Esse diálogo desperta em mim a lembrança da vivência de muitas mulheres próximas. Eu era uma criança, e já ouvia minha bisavó falar sobre sua trajetória, uma mulher que veio para o Rio de Janeiro ainda criança, com sua irmã e sua mãe, pronta para trabalhar em casas de família, e na medida em que foi crescendo, foi entendendo que conseguia trabalhar em até três casas em uma mesma semana.

Minha bisa criou 5 crianças ao lado do meu bisavô. Três filhos e dois sobrinhos. A filha mais velha, minha avó, era quem tinha o dever de cuidar dos seus irmãos e primos mais novos, enquanto os adultos passavam mais tempo fora de casa, para compor a renda da família.

Quando chegava em casa, além do dever de cuidar das crianças, minha bisa também

precisava cuidar de seu esposo, este cenário fazia parte da ancestralidade da minha família e ainda é comum em muitas casas brasileiras.

Edmilson da Silva, meu tio avô, foi o primeiro membro da nossa família a cursar

universidade, tendo concluído o curso de Letras pela UFRJ e de Direito pela UFF, sem

dúvidas nada disso seria possível se não existisse Maria da Conceição, que é o exemplo que tenho de Tereza de Benguela em minha família.

Para finalizar e adentrar nessa discussão junto com vocês, cito uma fala muito pertinente de Angela Davis, em sua participação no festival Latinidades, que ocorre anualmente no Brasil:

“Nós não vivemos uma realidade pós-racial, pelo fato de termos uma família negra na Casa Branca.”

Matéria de Nil Mendonça para a coluna Empoderamento Feminino

Encontre-a no Instagram @nill.mendonca