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Direitos Humanos

Atualizado: 17 de dez de 2022

A Queda da Bastilha Tupiniquim – Que Viva a Revolução

Em uma reunião numa Paris dos anos 1940, uma época romântica, com muito “non, j’arrive pas”, foram criados os Direitos Humanos. Era dezembro, começo de inverno na Europa.

Frios como sempre — ou, melhor dizendo, dizem dos franceses que estes são sem educação e odeiam falar outro idioma que não o deles, além de terem a fama de não serem chegados a uma ducha. Eu tive o privilégio de passar por maus bocados no aeroporto de Paris-Charles de Gaulle, quando precisei pedir informação em inglês a uma funcionária do aeroporto. Essa senhora, cheia de muita educação, iniciou seu discurso desculpando-se e disse: “Désolée, madame, je ne parle pas anglais. Et rappelez-vous que vous êtes à Paris…

Nous parlons français ici”. Não teve qualquer constrangimento ao dizer: “Desculpe, senhora, não falo inglês. E a senhora está em Paris, os franceses falam francês”. Enfim, essa é uma história para outra ocasião.

De uma maneira geral, eles, os franceses, são, sim, bastante respeitosos e educados e fazem questão de cumprimentar todo mundo. Agora querer tripudiar, se autovalorizar, desprezando o fato de não fazer qualquer esforço para aprender o mínimo de comunicação na língua do país que visita… É complicado, se não deselegante. E, sim, senhoras e senhores, foi ali naquela Paris que começaram os primeiros passos para ser criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Reunida em Paris, uma galera de respeito. A Organização das Nações Unidas (ONU), em uma Assembleia Geral dos Direitos Humanos, declarou e formalizou um documento com trinta artigos, que surgiu no rastro da Segunda Guerra Mundial, com características claras de que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” — ao menos ali em Paris. Reunidos para tal desenlace de leis, ali estavam, entre outros, nada mais nada menos, que Mahatma Gandhi, Eleanor Roosevelt, César Chávez, Martin Luther King Jr., Desmond Tutu, Óscar Arias Sanchez e, claro, o meu ídolo pessoal… Nelson Mandela, “Madiba”.

Aprofundando um pouco mais em minhas pesquisas, descobri que em 1215, depois de um tal de “João da Inglaterra” — um rei danado, sapeca — ter violado varias, inúmeras leis e costumes pelos quais a Inglaterra era governada, seus súditos o forçaram a assinar a Magna Carta. Dizem que, mais tarde, ela veio a ser considerada como Direitos Humanos.

Por aqui, em terras “brasiles”, os Direitos Humanos são garantidos pela Constituição Federal de 1988. Dizem, inclusive, ser esse um avanço jurídico, por conta da historia do nosso país marcada por episódios de desrespeito a tais direitos — que digam o jornalista Vladimir Herzog e sua família.

“A nós, transexuais e travestis, é negado o direito de ir e vir. A liberdade de expressão, a igualdade, a fraternidade e a liberdade. A nós, é negado o direito de estudar, de ter e constituir família. De ter direito a saúde publica! Somos massacradas em TODOS — eu disse TODOS — os ambulatórios, hospitais, centros de saúde.”

“Negar esse direito ao seu povo é pôr em causa a sua humanidade”, disse Mandela. Negar ao povo os seus direitos humanos é pôr em causa a sua humanidade. Impor-lhes uma vida miserável de fome e privação é desumanizá-lo. Precisamos de liberdade, fraternidade e Igualdade, além de historicidade, de universalidade, de irrenunciabilidade, de inalienabilidade, de imprescritibilidade e de criar o dia dos Direitos Humanos. Se até a árvore tem dia, por que não o Dia dos Direitos Humanos? Levar o assunto às escolas, às praças, como faziam os gregos, já dito em artigo anterior. Falar sobre os Direitos Humanos é, necessariamente, deixar claro os equívocos e/ou os mecanismos que movem cada individuo e sua identidade. Somos muitos, ainda bem, pois tentamos criar engrenagens em diferentes áreas e contextos para facilitar a abrangência de tais direitos. Muitos creem que realmente existem saberes com a definitiva verdade. Aliás, querem e precisam acreditar nisso. Todavia, existem aqueles que têm as suas certezas e que não se calam ante a situações de total covardia.

Tocando no assunto covardia, no ultimo mês de maio, em uma festa de rodeio no interior de São Paulo — era a Expoagro, com direito a show, megaprodução, segurança etc., etc., etc. — um casal foi espancado quase até a morte, aos gritos de “Bate mais!” e ”É travesti!? Tem que apanhar mesmo!” tão somente pelo fato de estarem de mãos dadas, tentando assistir ao show. As cenas foram gravadas de aparelhos celulares de ultima geração, por uma multidão que nem mesmo esboçou qualquer esforço para socorrer o casal. Literalmente, eles foram espancados, pisados, humilhados, e o show de horrores tomou o lugar da dupla de cantores de música sertaneja. O que fez a segurança no local do show? NADA. O que fez o público presente? Filmou e riu muito do que acontecia. O que fez a Policia Militar? NADA! O que fez o prefeito da cidade em questão? NADA! Na delegacia da Policia Civil, o casal agredido tentou “dar queixa”, fazer o famoso B.O., Boletim de Ocorrência, mas não conseguiu. Somente depois de o caso alcançar holofotes que, no dia seguinte, o casal voltou à delegacia e conseguiu registrar um Boletim de Ocorrência por TRANSFOBIA. Ainda seguindo nos questionamentos, o que fez a dupla que cantava enquanto o casal era massacrado pelos covardes e enfurecidos pelo simples fato de se tratar de uma mulher trans e seu namorado tentando assistir a um show? NADA!

A nós, transexuais e travestis, é negado o direito de ir e vir. A liberdade de expressão, a igualdade, a fraternidade e a liberdade. A nós, é negado o direito de estudar, de ter e constituir família. De ter direito a saúde publica! Somos massacradas em TODOS — eu disse TODOS — os ambulatórios, hospitais, centros de saúde, AMAs, no caso de São Paulo, prontos-socorros; e até muito pouco tempo éramos consideradas loucas, malucas, pela Organização Mundial da Saúde. O tratamento hormonal, supostamente cedido pelo Sistema Único de Saúde, o famoso SUS, somente nos é permitido depois de uma batalha, se não de uma guerra travada em dias, de muita paciência em ambulatórios especializados nesse tratamento. O nosso emocional é abalado pela vergonha diária à qual somos expostas em avaliações com critérios “duvidosos” realizadas por uma comissão de “profissionais” — composta por enfermeiras, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, endocrinologistas — sem qualquer preparo para lidar com essa população. Sem nem sequer educação apropriada. A maioria desses profissionais, não estou generalizando, mas a maioria nem sequer tenta entender com maior clareza e compreensão essa área de conhecimento difícil e delicada. São donos da verdade absoluta e acreditam piamente em sua verdade. A maioria emudece ou cria teorias absurdas, sem ir em busca do conhecimento. Poucos, muito poucos, são os que seguem na tentativa de encontrar uma solução para um “bom” atendimento ou, no mínimo, um atendimento digno, seja ele no hospital, no pronto-socorro, no ambulatório, na padaria, na escola, na universidade… Nem sequer nas delegacias ditas especializadas os profissionais ali em seus plantões têm a boa vontade e a educação de atender e esclarecer as vitimas ali presentes à procura de JUSTIÇA.

A situação é frágil, para não usar outros adjetivos. Devemos seguir adiante na certeza de que em algum momento surgirá uma solução para deixarmos de sermos aberrações, monstros, extraterrestres, aquelas e aqueles que devem ser excluídos. Tratados como lixo. Eu já ouvi uma frase que conseguiu me destruir: “Volta para a lata de lixo, de onde nunca deveria ter saído”.

É uma jornada longa, cansativa, tediosa, fatigante, enfadonha. Que causa uma revolta muda, silenciosa. Sem nenhuma glória. Enganamos-nos todo o tempo.

Se a base for a da revolução, que venha a PORRA da REVOLUÇÃO! Façamos como os súditos do rei João da Inglaterra, forcemos a assinatura de uma Carta Magna e somente assim conseguiremos, depois de centenas de milhares de mortes, assassinatos e espancamentos físicos e morais, o reconhecimento da ignorância da humanidade.

Jogê Pinheiro para a coluna Espartilho Trans

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