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Mulheres também querem ver corpos

Por Marianna Roman

Não faz muito tempo que circulava pela internet um vídeo sobre capas com homens seminus. Uma série de questionamentos sobre livros de caubóis, livros de CEOs e aqueles comentários sobre os motivos que levam alguém a colocar uma capa com um homem parcialmente sem roupa, usando um chapéu, com terno e gravata na capa de um livro – impresso ou digital (é o tipo de apresentação que tem feito um sucesso estrondoso entre as publicações digitais independentes. Tanto que as editoras passaram a aderir cada vez mais o estilo).

Antes de prosseguir, cabe uma breve aula de história:

Não faz muito tempo que a mulher sequer podia abrir a boca sem ser solicitada ou que lhe dessem permissão. A “mulher direita’ não podia rir alto, usar batons de cores escuras ou roupas decotadas. Dizer o que pensava? Nem sob tortura! Expressar suas vontades? Fora de questão! E o que dizia respeito ao prazer estava sempre atrelado a uma figura masculina. O marido sempre tomava as decisões sobre a esposa. A mulher tinha de respeitar uma cronologia ilógica sobre suas realizações na vida.

“Mulheres passaram a vida inteira sendo objetificadas.”

Mulheres passaram a vida inteira sendo objetificadas. Viram seus corpos serem oferecidos em propagandas – havia uma boa penca de folhetins distribuídos em bancas de jornais, que ditavam as regras de uma sociedade machista, excludente e altamente misógina – seu prazer e sua felicidade eram sempre atrelados à figura de um homem, às realizações maternas, aos afazeres domésticos.

Não faz muito tempo e a mulher conquistou o direito de ser ouvida como parte da sociedade. Recebeu o direito ao voto e veio, em passos lentos, mas nunca em falso, alcançando novos objetivos na luta incessante por igualdade. O Feminismo não parte do princípio ser contrário do Machismo. Ao contrário do que muitos pensam. Porque ao contrário do Machismo, o Feminismo não visa excluir o sexo oposto julgando-o por sua possível fragilidade genética. Mas pôr um fim no velho discurso do sexo frágil. Por lei, não se pode proibir o outro de ser o que é. Cada um tem o seu lugar preservado. A Lei Universal dos Direitos Humanos deixa claro que qualquer tipo de exclusão do tipo é uma violação grave.

Quando a mulher chega ao mercado de trabalho – o que gera um burburinho em diferentes culturas, não apenas no Brasil – o mercado erótico chinês se reinventou quando a mulher chinesa decidiu que não queria casar, mas sim independência – passamos a enxergar com cada vez mais clareza o seu lugar. Dando espaço a novas discussões sobre o “ser mulher”. Entra em pauta, a mulher trans, a mulher que escreve e fala abertamente sobre sexualidade. Mesmo que com pouco espaço aqui, ali acolá, os poucos espaços geram incêndios por todo lugar. E pequenos fogos geram uma grande explosão facilitada também por mais revoluções tecnológicas com mais facilidade de comunicação e disseminação de informações.

Dito isto, retornamos ao nosso ponto; as capas de livros com homens seminus. Por que tais capas geram tanto burburinho, enquanto as capas com mulheres, os cartazes, as propagandas, os discursos, as narrativas que exploram o lado sexual da mulher sempre atrelado ao homem é dito como “natural”, “normal”? Socialmente falando, o comportamento masculino ainda é mais bem visto que o da mulher, mais aceito e cheio de advogados para velhas e inaceitáveis desculpas. Ainda é preciso falar do corpo de uma mulher para atingir sua autoestima, diminuí-la ou torná-la algo mediante ao corpo ideal ou qualquer outro padrão.

Qualquer ponto fora da curva da estrada dos “santos”, que são provocados o tempo inteiro para justificar suas ações, que são vítimas da própria ignorância – às vezes, aparentemente, por escolha – é motivo para gerar alvoroços.

As mulheres estão atreladas à satisfação masculina desde os primórdios. Sendo feitas de objeto desde que o mundo é mundo. Quando tomam lugar e expressam suas próprias vontades, falando dos corpos masculinos, há uma inversão de polos sendo que a oposição entre eles nunca existiu. Era apenas desigual. Como já dito, autoras e autores independentes ganharam destaque com seus contos e livros irreverentes, com capas que se aproximam cada vez mais de pessoas como eu, você e aquele vizinho bonito que se mudou para a casa da frente.

“As mulheres estão atreladas à satisfação masculina desde os primórdios.”

As histórias vieram para os tempos em que as mulheres se libertam das amarras da vergonha de assumir seus gostos e aos poucos deixam aflorar um prazer inibido por um discurso arcaico que condena um comportamento natural.

Mulheres também querem ver corpos. Querem falar sobre o que fazem, enquanto são protagonistas das próprias vidas. Autoras nacionais e internacionais trazem para os holofotes, histórias que retratam o sexo após os 50, a descoberta da sexualidade, o prazer, a importância de conhecer o próprio corpo, os jovens que exploram a sexualidade para se afirmarem enquanto indivíduos e terem suas vontades respeitadas.

O assunto sexo, infelizmente, ainda é um tabu para uma sociedade que ainda tem dificuldade para entender a diferença entre ideologia de gênero e sexualidade. Num mundo onde nascer mulher se tornou um fardo com imposições que funcionariam apenas se todos fossem iguais. Mas o que seria do azul se todos gostassem do amarelo? O que seria de Caetano, se todos fossem Gil?

Felizmente, o cenário literário contemporâneo abriu pautas relevantes sobre a mulher na sociedade quando o assunto é sexo, que é complemento à libertação política, social, cultural feminina. Um assunto que está longe da conclusão, do fim. A cada momento, obras como “50 tons de cinza”, “365 dias”, “A dama de papel”, “Êxtase”. “Três formas de amor”, “Amor plus size” e tantas outras nos levam a questionar quanto poder os homens estão acostumados a pensar que tem e o quanto foi importante que mulheres não se calassem diante à exclusão, encontrando espaço para dar voz a outras que ainda escolhem o silêncio.

Que venham os corpos seminus que estampam as capas de caubóis, CEOs, confeiteiros, motoristas de aplicativo! Quando o assunto é o gozo, se houver consenso e for bom para todos, vale entender que gosto é particular e o importante é que seja prazeroso.

Em todos os sentidos.

Matéria de Marianna Roman para a coluna Empoderamento Feminino

Encontre-a no Instagram @mariannaromanoficial