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Multifacetada, sim. Multitarefa, não.

Atualizado: 29 de dez de 2022

“Nossa! Você é multitarefa!”

Já ouviu isso? É uma frase bem comum. A minha pergunta para você é a seguinte: você entendeu que isso era um elogio?

Talvez a pessoa que tenha dito até tenha achado que isso era uma qualidade e estava realmente fazendo um elogio. Mas eu espero que você tenha interpretado isso como um sinal de alerta.

Ser multitarefa não é bom. Foi tempo que se achava que isso era uma capacidade admirável. As pesquisas recentes mostram que o multitarefa até pode fazer muita coisa ao mesmo tempo, mas não as realiza no melhor nível que poderia. Indo direto ao ponto: o multitarefa acaba sendo medíocre. E o pior: levando ao extremo, uma pessoa multitarefa pode se colocar em risco. É o que se vê quando você dirige e digita uma mensagem de texto, por exemplo. A sua atenção vai transitar de uma ação a outra, comprometendo sua capacidade de antever ou reagir a uma situação de risco.

Este foi só um exemplo para impactar, mas este risco também está relacionado à sua carreira, à sua saúde, à sua vida. Você pode fazer duas tarefas ao mesmo tempo, mas não vai focar nas duas. E esse movimento mental de mudar rapidamente de foco de uma atividade para a outra cansa. São milissegundos, segundo pesquisadores, mas que cobram alto. É como se estivéssemos com vários aplicativos, bluetooth, GPS, download de vídeo, tudo processando ao mesmo tempo no seu smartphone. Você vai até fazer tudo isso ao mesmo tempo, mas a sua bateria vai esgotar mais rápido. Ou o processamento pode travar.

“Eu já tive orgulho de ser multitarefa, mas cada dia mais quero me policiar para fazer o oposto, para evitar dividir o foco desnecessariamente, pelo bem da minha carreira.”

Uma das mudanças que muitos perceberam no retorno aos escritórios foi um desgaste mental maior e uma sensação de impacto na produtividade. Aquele projeto que você desenvolvia no silêncio do seu home office (no caso de quem teve esse privilégio e conta com um ambiente adequado em casa) já não desenrola tão rápido, em meio ao movimento no seu entorno, as pessoas que chegam na sua mesa do nada, o colega que fala mais alto, enfim, novos estímulos disputando nossa atenção. Por outro lado, o contrário também aconteceu. Ouvi pessoas que tiveram que fazer um grande esforço antes, na adaptação ao home office, devido à dinâmica em casa, crianças brincando, obras do vizinho, música alta, entre outras interrupções que não se convivem no escritório.

O fato é que, independentemente do ambiente em que se está, a cada interrupção, você tem que retroceder o desenvolvimento, para pegar o fio da meada e poder continuar. Isso se repetindo várias vezes torna seu dia mais exaustivo. Obviamente, o mesmo acontece quando é você quem se interrompe para fazer outra coisa, e mais outra, e mais outra… A diferença é que você não se dá conta do efeito, já que a interrupção foi voluntária.

Pular de galho em galho gera perda de energia. Por isso, os multitarefas demoram um pouco mais para concluir uma tarefa, cometem mais erros e ainda são mais estressados, segundo especialistas.

Num período em que nunca se falou tanto em ansiedade e burnout, será que não estamos contribuindo para isso? Ou, pelo menos, não estamos deixando de nos proteger no que nos cabe? Planejar nosso dia e criar as condições para evitar a tendência de ser multitarefa é uma forma de nos preservar.

Você pode até dizer que há situações que a gente não pode evitar, como ser interrompido por uma urgência quando está embalado num processo criativo, naquele projeto que precisa entregar no dia seguinte. Sim, tem situações que são inevitáveis. Mas tem muitas que você pode gerenciar. Por exemplo: as notificações que entram no seu computador ou celular podem ser desativadas; você pode estabelecer horários para responder seus e-mails; a mensagem no WhatsApp pode esperar (quem disse que precisam ser respondidas em tempo real?); redes sociais podem ficar restritas às suas janelas de pausa (você não precisa estar up-to-date em tudo!); enfim, comece a reduzir o nível de distração e alternância no seu dia começando por aquilo que está ao seu alcance.

O livro “A única coisa”, de Gary Keller e Jay Papasan, me deu um sacode ao revelar quanto o tempo de interrupção e transição de foco pode representar em impacto real na nossa vida: perdemos quase um terço do nosso dia com distrações. Imagina quanta coisa pode ser feita com esse tempo que volta ao seu dia quando você foca e faz melhor e mais rápido as suas tarefas!

Sem contar que à medida que você se torna menos multitarefa, e por consequência, mais produtiva, está abrindo caminho para ser mais multifacetada. Sim! Aquele projeto que não saia do papel, aquela atividade que queria iniciar, aquele curso que queria fazer, aquele hobby que não tinha tempo para praticar. Fica mais fácil arranjar tempo para outras frentes quando suas atividades principais receberam o foco necessário e estão em dia. Dedicar tempo de qualidade é a chave para ganhar tempo para outras atividades.

Eu já tive orgulho de ser multitarefa, mas cada dia mais quero me policiar para fazer o oposto, para evitar dividir o foco desnecessariamente, pelo bem da minha carreira, já que comprovadamente a qualidade das entregas se eleva, e também da minha vida, pois só assim poderei recuperar tempo do meu dia para revelar minhas multifacetas. E você, já se deu conta disso?

Érica Saião para a coluna carreira

Encontre-a no Instagram @erica_saiao

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