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Não existe o sem querer

Atualizado: 15 de jan de 2023

Eu falei que o assunto renderia, então senta aí e vamos para mais uma sessão de violência contra as gestantes. Esse artigo talvez seja uma espécie de HO’OPONOPONO particular. Peço perdão por isso, mas como mãe escrevendo sobre a realidade de ser mãe, eu mergulho dentro de mim, das minhas experiências e com elas vem também os meus erros, as bobagens que fiz como mãe, como gestante, como amiga de gestante…

Por isso quero iniciar com um desabafo, eu já fui a que estava do outro lado. E não, hoje isso não me constrange mais. Gosto de me olhar e perceber que fui capaz de mudar. Que os pensamentos, ideais e princípios mudam, e já que precisa ser assim, que seja para o melhor. Isso também me ajuda a seguir firme em minha jornada como mãe. Vocês vão entender.

Uma vez uma amiga engravidou do marido depois de muitos anos de casados. Ficamos todos felizes. Eu achei que era a coisa mais linda e terrível que poderia acontecer na vida dela. Imaginei que o marido atrapalharia tudo, que ele não era bom o suficiente para ela, mas me calei. Ponto para mim? Não. Vou contar o restante. Ela teve a criança, tudo parecia incrível, até mesmo o marido mala se transformou em uma delicada bolsinha de maquiagem. Oito meses depois ela engravidou outra vez. Eu liguei para ela e falei: ficou louca?

Calma, não joguem suas pedras ainda. Eu consegui ser pior do que isso. Ela riu, hoje penso que ela sentiu vontade de desligar o telefone na minha cara, mas era uma pessoa melhor do que eu e só riu. E eu piorei tudo quando ela me disse “eu não sei como aconteceu. Nós nem queríamos mais um filho”, e eu, sim, eu, respondi com um “ninguém engravida sem querer”.

“Ela riu, hoje penso que ela sentiu vontade de desligar o telefone na minha cara, mas era uma pessoa melhor do que eu e só riu.”

A amizade acabou. Não neste dia nem neste momento. Mas de alguma forma, eu não era mais a pessoa para quem ela ligava quando precisava de conselhos e eu segui, porque tive meus próprios filhos todos “sem saber como aconteceu”. Entende a gravidade do que acabei de narrar?

Quando alguém diz a uma gestante, contente ou não com a sua situação, que “ninguém engravida sem querer”, ela entra para a lista de pessoas que violentaram uma gestante. Digam o que quiser. Não somos profissionais de obstetrícia, eu sei. Mas se de uma forma ou de outras, fizemos uma grávida repensar a gravidez com frases com essa, então sim, violentamos uma gestante.

E a terra plana não gira, capota. Na minha primeira gestação, feliz em realizar o sonho de ser mãe mesmo que sem saber como seria com o restante todo do meu “eu” reservado para os outros sonhos, eu ouvi de uma pessoa que deveria amar a notícia “ninguém engravida sem querer”. E, de verdade, foi a pior coisa que ouvi em toda a minha gestação. Eu ri por fora e chorei por dentro. São treze anos e ainda lembro. Assim como lembro de minha mãe dizendo: quem bate esquece, quem apanha sempre lembra. E eu me lembro. Violentaram o meu momento. Violentam o de muitas mulheres todas as vezes que alguém respira.

E é pesado. Muito pesado. Porque se você pensar bem, é só o começo de uma série de violências que você, por ter optado em ser mãe, sofrerá. Algumas são inevitáveis. Você se doa, se esquece, se culpa, se cobra, não recebe quase nada de volta que não sejam sorrisos, beijos e abraços, mas que valem mais do que os segundos antes deles. O peso é tão grande e tão difícil de carregar que não merecemos nem um grama além do necessário. Mas ninguém se lembra disso, não é mesmo? Eles esquecem quando te dizem, em tom de brincadeira ou repreensão “ninguém engravida sem querer”.

Você sorri, segue em frente, sem perceber que é o primeiro do imenso rasgo que farão em sua alma.

Por isso, desromantizem o “não existe o sem querer”. Porque ele existe. Seja em não esperar engravidar mesmo que em uma relação sem proteção, ou em uma frase dita sem pensar no momento em que a nova mamãe mais precisa de você.
 

 
Até porque uma mulher grávida de um filho que não é seu não deveria se sentir culpada ao ponto de precisar explicar a você, que não esperava engravidar e ainda sorrir quando você for o sem noção (no caso, eu) que diz “ninguém engravida sem querer”.

Mas calma, se você assim como eu tem essa mancha em sua ficha, é como disse no início desse artigo, nunca é tarde para mudar. Hoje, independente da situação, quando uma mulher me diz que está grávida, pergunto: e o que você quer fazer? Se ela me disser que está feliz e que quer muito esse filho, eu serei aquela que segurará a sua mão e dirá: será complicado, mas muito, muito lindo. E se ela me disser que não sabe, que está com medo ou que não quer, eu serei a que segurará a mão dela e dirá: será complicado, mas estarei aqui por você.

Tatiana Amaral escreve para a coluna Maternidade

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