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O que podemos aprender com as novinhas?

Atualizado: 24 de ago de 2022

Já escrevi duas colunas aqui para a Revista MS. Nas duas, eu cito a minha filha. Ela revisou os textos antes de eu enviar e, na segunda coluna, protestou: suas leitoras estão me achando uma chata! Realmente, não peguei o melhor ângulo dela. Do jeito que escrevi, parece mais uma velha reclamona. Isso porque eu nem disse que ela não bebe, não fuma, é uma nerd e trabalha sem parar.  OK, não estou ajudando a melhorar a imagem…

Fato é que minha filhota, meu bebê de 26 anos, é uma mulher antenada com seu tempo, com sua potência, feminista e lutadora pela vida e causas das mulheres. Volta e meia me aparece com um abaixo-assinado, seja para a condenação de acusados de feminicídio, para que o exército americano (sim, luta internacional!) reintegre uma mulher que denunciou  assédio e foi expulsa, seja para apoio a ONGs de proteção às mulheres. E me ensina muito sobre muitas coisas, principalmente sobre esta visão das moças para as questões de assédio moral e sexual.

“Concordo que não podemos permitir brechas, desculpas, para atitudes que possam descambar para agressões, porque o homem se julga no direito de fazer o que quiser.”

Deixei de ver os filmes de um famoso cineasta, do qual gostava muito, depois que ela me mostrou como quase a totalidade da sua obra era machista, e até pedófila. A atitude do sujeito, de se casar com a enteada adolescente, tinha me incomodado muito. Mas eu queria separar a obra da vida pessoal do cara. Ela demonstrou como as atitudes machistas dele estavam refletidas nos seus filmes: o personagem dele era sempre o homem adorado pelas mulheres e meninas, elas nunca o questionavam sobre traições, mansplaning e outras atitudes normalizadas nos filmes.

E como é que eu não enxerguei isso antes? Porque nós, mulheres acima dos 50, 40 até, fomos criadas em uma sociedade machista, onde era “normal” que o homem tivesse privilégios e precedência sobre as mulheres. É um trabalho difícil a gente reconstruir a nossa identidade feminina fugindo destes estereótipos que nos impingiram a vida toda! A geração de 20, 30 anos vem sendo muito mais consciente e questionadora.

Tão questionadora que até espanta… Perguntei à minha filha se ela tinha visto um filme que foi um ícone na minha juventude, tipo unanimidade, que é Blade Runner. Na lata ela me disse que não gostou, porque tem uma cena de assédio. Oi?! Eu sou esquecida e vi o filme há anos atrás, mas me lembraria de algo assim. Ela me disse então que o personagem do Harrison Ford imprensa a replicante na parede, ela está dizendo não, e ele força um beijo.

“Ah, mas isso era charminho” contesto eu. Recebo ‘aquele’ sermão! De como este é um argumento machista para dizer que a mulher está (ou deve estar) sempre à disposição do homem, que por passarmos pano é que muitas mulheres são violentadas, e por aí vai.

Envergonhada, ainda tentei ponderar que ela era muito mais forte do que ele, podia zunir ele longe, e que na verdade não era charme, era conflito interno, ela disse não mas ela queria… Enfim, entendi perfeitamente o ponto e concordo que no contexto de hoje, não dá pra aceitar. Vou continuar amando o filme, mas definitivamente não é não.

E lembrei de uma vez em que estava com uma amiga, sentada na mesa de um bar, batendo papo e tomando um chopp. Do nada, um cara chegou, falando que estava sozinho, e “como nós também estávamos” (palavras dele), perguntou se poderia se sentar, já se sentando na cadeira vaga. Minha amiga, uma leonina alta, que na época usava os cabelos louros crespos bem altos, parecendo uma juba, imediatamente rosnou pra ele que nós não estamos sozinhas, e que ele se levantasse. O abusado levantou xingando, dizendo que não estava interessado em nenhuma de nós, que éramos barangas, sapatões, mal-amadas, enfim, o repertório do “alecrim dourado” quando é confrontado com a realidade de que não é um ser imprescindível às nossas existências. Sim, muitos ainda pensam assim…

Por isso, concordo que não podemos permitir brechas, desculpas, para atitudes que possam descambar para agressões, porque o homem se julga no direito de fazer o que quiser. Abaixo o charminho, esse jogo que era meio que regra nas relações da minha adolescência. Agora é charme direto, um grande SIM. Se assusta os homens, paciência. Serve como seleção natural, porque estou velha (no bom sentido) pra ter assustadinho do meu lado.

Porque quando eu disser não, quero que seja interpretado como não.

PS: Mandei esta coluna para a filhota revisar, como sempre. Observação dela: “Gostei, ainda pareço uma chata, mas pelo menos uma chata com princípios.”

Ana Lúcia Leitão para a coluna 50+

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