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Partiu Férias pela Estrada Real – Caminho do Ouro

Atualizado: 17 de dez de 2022

Estou sentada no avião, vendo o sol nascer e muito feliz porque finalmente o grande dia chegou. O dia das minhas tão esperadas férias e da viagem que há muitos anos venho planejando. Explicando melhor, já tem tempo que estou trabalhando sem conseguir tirar férias como eu gostaria, em função da pandemia. Além disso, tenho um sonho antigo de conhecer a Estrada Real – Caminho do Ouro.

O sonho de conhecer a Estrada Real ou Caminho do Ouro para quem está em Paraty, vem de muito tempo, quando conheci a cidade de Paraty. Eu amei Paraty! Sua história, sua cultura e sua arquitetura me fascinaram de tal forma que fiquei muito interessada em saber mais sobre sua história. Lembro-me de algumas coisas até hoje. Teve um dia que estávamos com um guia e ele nos levou para um lugar no meio de uma mata e disse “essa estrada que vocês estão vendo e que está sendo redescoberta é o antigo caminho do ouro. Este caminho inicialmente eram trilhas feitas pelos índios Guaianazes, e posteriormente, entre os séculos XVII e XIX, foram calçadas pelos escravos para carregarem ouro e diamante de Minas Gerais até Paraty. Depois este material precioso era levado para Portugal”. Fiquei tão encantada com a história que adquiri o livro “A história do Caminho do Ouro em Paraty” de Marcos Caetano Ribas.

No chamado “Ciclo do Ouro” este caminho era ponto de passagem obrigatório que ligava Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Nesta época Paraty era uma das mais importantes cidades portuárias, pois ela exercia a função de “Entreposto Comercial” e também, por sua posição geográfica, porto escoadouro da produção de ouro de Minas para Portugal.

E eu quase não pude acreditar que estava vendo e pisando em uma estrada de muitos séculos atrás que fez parte do início da história do Brasil, e ainda, num momento que estava sendo escavada e redescoberta. E eu estava ali pisando nela. Este momento me fascinou! E com isso surgiu o desejo de viajar para Minas Gerais e conhecer toda a história do Caminho do Ouro e da Estrada Real.

Finalmente o avião decolou rumo a grande viagem, Minas Gerais. Minha nossa! Fiquei tanto tempo esperando por essa viagem. O grande dia chegou. O destino poderia ser qualquer lugar para descansar, curtir, conhecer e aproveitar ao máximo. Mas o meu desejo de conhecer pessoalmente esta parte da história do Brasil e ter novamente aquela sensação de encantamento é muito grande. Viajar amplia nossos horizontes, nossos conhecimentos, adquirirmos vivência e aprendizado. Então vamos lá.

Desses caminhos por onde passa a história de Minas Gerais também fazem parte as vias de acesso, as trilhas calçadas pelos escravos, os pontos de parada, as cidades, as igrejas e vilas históricas. E não esquecendo que tudo isto serviu de cenário à Inconfidência Mineira, principal movimento de contestação à Coroa portuguesa naquela época, liderado pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Com base nestes detalhes da história de Minas Gerais, meus pais e eu montamos um roteiro de viagem. Saímos de Porto Alegre direto para Belo Horizonte e de lá começamos a nossa viagem pelas cidades históricas do “ciclo do ouro” iniciando por Sabará, e na sequência Diamantina, Santa Bárbara, Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes, São João del Rei e terminando no Rio de Janeiro para um encontro de velhos e novos amigos.

Em Belo Horizonte, conheci alguns pontos turísticos como o conjunto arquitetônico da Pampulha, o Mirante do Mangabeiras, a praça do Papa e o mais interessante foi fazer o Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Neste circuito o que mais gostei foi do Museu das Minas e do Metal – MM Gerdau. Amei demais esse museu que apresenta de forma lúdica e interativa a história da mineração e da metalurgia, e é claro, da história relacionada com a origem da extração do ouro e diamante em Minas Gerais. O museu tem mais de 4 mil pedras, eu fiquei deslumbrada, porque amo pedras. Para mim as pedras são encantadoras por tamanha beleza e por fazerem parte da natureza. A natureza é algo que nos surpreende a cada instante.

No terceiro dia em BH fomos conhecer o centro histórico da cidade de Sabará, nossa primeira cidade do trajeto pela Estrada Real. O conjunto arquitetônico na rua D. Pedro II no centro histórico de Sabará nos remete ao século XVII. Gostei muito de conhecer as diversas igrejas de Sabará, em torno de 14 igrejas, cada uma conta parte da história deste período do Brasil colonial e algumas com obras do Aleijadinho. Mas a que mais me encantou foi a igreja de Nossa Senhora do Ó, de 1717.  Uma das mais antigas igrejas mineiras que tem uma estrutura pequena e simples. Mas o interior é uma surpresa, é muito aconchegante e é um dos mais preciosos monumentos do barroco brasileiro, com muitos detalhes em ouro, um charme. Mas o que mais gostei em Sabará foi do Teatro Municipal, construído em 1770 e no interior do Brasil e com todas as condições de um grande teatro, pois possui muitos camarotes e está muito bem conservado. Com certeza a construção deste teatro naquela época, na região de Sabará, está muito relacionada com a extração do ouro naquela região. Ah, e na entrada do teatro tem uma placa indicando que D. Pedro I esteve lá em 1831 e D. Pedro II em 1881. E após alguns séculos eu também estava lá, que máximo!  Nossa intenção era também conhecer Caeté neste dia, mas curtimos cada pedacinho de Sabará e daí já estava tarde para irmos até lá. Caeté fica para próxima.

No dia seguinte partimos para Diamantina e no caminho, em Cordisburgo, aproveitamos para conhecer dois lugares muito interessantes, a Gruta de Maquiné e a casa do escritor Guimarães Rosa. A Gruta de Maquiné é considerada uma das mais belas grutas do mundo e considerada o berço da paleontologia brasileira. Ela tem aproximadamente 650 metros de galerias e sete salões explorados e preparados para visitação. Possui belas esculturas naturais e estalactites de diversas formas no teto da caverna. Adorei conhecer o lugar onde o “Comendador”, da novela “Império”, guardava seu diamante e também onde foi filmada a cena final da novela “A Viagem”. A gruta é lindíssima, foi surpreendente conhecê-la. Também foi uma surpresa conhecer a casa de Guimarães Rosa, conhecer sua história e hábitos através dos contos dos jovens da associação “miguilim”, ver como ele fazia suas anotações para os livros e conhecer o ambiente onde ele viveu quando jovem. Achei muito interessante saber que para escrever o livro “Grandes Sertões Veredas” Guimarães Rosa viajou 10 dias com os tropeiros pelo interior de Minas Gerais e depois levou 4 anos para escrever a história.

Chegando em Diamantina nos hospedamos no centro histórico e fomos logo fazer o passaporte da Estrada Real. Ele é emitido pelo Instituto Estrada Real e é um registro único e permite que você acompanhe e registre todas as suas experiências nos caminhos da Estrada Real. A cada cidade que passávamos íamos carimbando os nossos passaportes. Achei o máximo ter todos os registros!

Diamantina reserva preciosidades que vão além da história ligada à extração de diamantes no século XVIII. Os charmosos casarões e igrejas centenárias que compõem as ruas de pedras estão entre as maiores atrações de Diamantina. Infelizmente nos dias que eu estava lá as igrejas estavam fechadas e só podemos apreciá-las por fora. Mas gostei muito de conhecer a Casa de Chica da Silva e sua história, primeira escrava a deixar a senzala e ganhar uma posição social naquela época. Gostei também de conhecer o Parque Estadual do Biribiri com suas belas cachoeiras e a Vila do Biribiri, que atualmente busca famílias para morar nas casas desocupadas da vila. Mas o que eu mais gostei em Diamantina foi de conhecer o início da Estrada Real que lá eles chamam de “Caminho dos Escravos”, e era por este caminho que a produção de diamantes e ouro era levada no lombo das mulas para Paraty. Pelo que entendi, os escravos levavam 3 meses para ir de Paraty a Ouro Preto e mais três meses para Diamantina, então levavam quase um ano para ir e voltar neste caminho. Em Diamantina esta estrada tem 5Km bem preservados, pena que retrata uma etapa tão cruel da história do Brasil.

Depois de Diamantina saímos para conhecer mais duas pequenas cidades da Estrada Real e que ficam situadas na maravilhosa Serra do Caraça: Santa Bárbara e Catas Altas. As duas cidades também possuem seus casarões coloridos, museus e igrejas centenárias relacionadas a este período. Mas em Santa Bárbara torci o meu pé e não pude conhecer como eu gostaria estas cidades. Mesmo com o problema no meu pé pude admirar e ficar deslumbrada com as belezas da Serra do Caraça. Foi uma surpresa maravilhosa conhecer, no meio de toda aquela natureza exuberante, o Santuário do Caraça. Que maravilha! Lá, parada no meio daquele santuário me veio muitas inspirações, muita vontade de escrever diversas histórias.  E também estando lá pude entender a frase atribuída a D. Pedro II: “Só o Caraça vale toda a viagem a Minas Gerais”.

Saindo da Serra do Caraça fomos para Mariana e Ouro Preto, antiga Vila Rica. A cidade de Mariana foi uma das primeiras organizações de povoamento em Minas Gerais. É uma simpática cidade que além de suas ruas com os casarões antigos e coloridos, também tem a famosa Praça Minas Gerais. É nesta praça que estão as “Igrejas Gêmeas de Mariana”, igreja de São Francisco de Assis e igreja de Nossa Senhora do Carmo, e é também nesta praça que está localizada a Casa de Câmera e Cadeia e o Pelourinho. Em Mariana também conheci a Casa Museu do poeta Alphonsus de Guimarães, o poeta da lua. Mas o que achei mais interessante no passeio a Mariana foi ter conhecido a Mina da Passagem, a única mina industrial aberta à visitação na região. Descemos para as galerias subterrâneas através de um trolley, que chega a 315m de extensão e 120m de profundidade. Lá em baixo visitamos algumas galerias, observamos as rochas de onde era extraído o ouro e observamos um interessante lago natural subterrâneo.  É assustador pensar que no século XVIII foram retirados de lá 35 toneladas de ouro.

Ah, e o que dizer de Ouro Preto? Uma cidade construída toda na encosta do morro com um número infinito de ladeiras e onde é muito difícil encontrar uma rua plana. E eu lá com o meu pé torcido, que situação. Mas apoiada no braço do meu pai passeei bastante entre as diversas lojas de artesanato e muitas casas de pedras preciosas nas infinitas ladeiras. Mas com um guia local pudemos fazer um passeio por muitos pontos turísticos, e conhecer um pouco da história de Ouro Preto. Fiquei muito impressionada de saber que naquela encosta de morro onde está localizada a parte histórica de Ouro Preto, existem mais de 2.000 escavações de minas, muitas casas ali são a porta para muitas delas. Fiquei com a sensação de que o morro inteiro é um verdadeiro “queijo suíço”. Visitamos uma das casas, que como muitas em Ouro Preto, têm uma mina em seu pátio. Ali deu para sentir o horror do trabalho daqueles escravos, que quase sem ar e acorrentados tinham que escavar o morro com suas mãos e poucos instrumentos. E como só colocavam escravos pequenos e baixos nesse trabalho, a mina é baixa e com pouca largura, não consegui visitar toda ela porque comecei a me sentir mal, acho que era claustrofobia.

Outro número infinito em Ouro Preto são as lindas igrejas e suas lindas histórias. Gosto de visitar as igrejas porque elas também contam histórias incríveis sobre um determinado tempo.  Elas levam consigo a história através de gerações, contando uma determinada época e sua cultura. A igreja que mais gostei em Ouro Preto foi da igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar com aproximadamente 400kg de ouro e 400kg de prata. Fiquei impressionada com a quantidade de detalhes, com as muitas esculturas e com a maravilhosa pintura no teto. Mas o ponto central em Ouro Preto é a famosa Praça Tiradentes, onde a cabeça de Tiradentes ficou exposta após sua morte. Em torno da praça encontra-se o Museu de Ciência e Técnica, este museu ocupa o antigo Palácio dos Governadores, uma grandiosa construção de 1741 erguido pelo pai do Aleijadinho. Fiquei muito triste que estava fechado para visitação, o mesmo aconteceu com o Museu Casa de Contos- antiga casa dos contratos. Também em torno da praça está o Museu da Inconfidência, a casa de Tomás Antônio Gonzaga, o Museu do Oratório e algumas igrejas. Estes eu pude visitar e achei maravilhosos.

De Ouro Preto fomos visitar o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas. É neste Santuário que se encontram as mais famosas obras de Aleijadinho: os 12 profetas esculpidos em pedra sabão e em tamanho natural e que estão dispostos na escadaria da igreja do Santuário, e as seis capelas denominadas “Passos” que representam a Via Crucis. Estas capelas abrigam 66 esculturas de madeira em tamanho natural. Uma verdadeira obra-prima deixada por Aleijadinho para a humanidade!

E para finalizar o nosso passeio fomos para Tiradentes e São João del Rei. Tiradentes é um mimo de cidade! O centro histórico me lembrou de Paraty com suas charmosas ruas calçadas de pedras, casarões coloniais, e é bem mais tranquila que Ouro Preto. O agito da cidade ocorre à noite com uma intensa programação cultural na Praça das Forras no centro histórico. Ah, e a cidade tem poucas ladeiras, isto facilitou minhas caminhadas pela cidade. A cidade foi fundada em 1702 e foi uma das cidades que mais teve ouro de superfície no Brasil. E como as outras cidades históricas, Tiradentes possui vários museus e igrejas contando sobre o passado do Brasil. Os lugares que mais atraíram minha atenção foram o Largo das Forras – onde tudo acontece inclusive um passeio de charrete; o Museu Padre Toledo – a casa onde o inconfidente Padre Toledo viveu e onde aconteceram as primeiras reuniões dos inconfidentes; o Museu da Liturgia e o Museu de Sant’Ana – sou apaixonada pelas imagens de Sant’Ana com Nossa Senhora; e ainda,  a lindíssima igreja Matriz de Santo Antônio com seus 482Kg de ouro e com um órgão de 1788, um dos quinze órgãos mais importantes do mundo. Segundo os guias da cidade, a igreja é a segunda mais rica em ouro no Brasil.

No último dia do nosso roteiro fomos conhecer a cidade histórica de São João del Rei. Uma cidade bem maior que as outras que visitamos, mas que também guarda em seu centro histórico ruas com casarões antigos, como é o caso da rua das casas tortas, vários museus e lindas igrejas do século XVIII como é o caso da igreja de São Francisco e da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar com seu altar folheado a ouro e detalhes da arquitetura barroca mineira. No caminho entre São João del Rei e Tiradentes conheci o último pedacinho da Estrada Real desta minha Viagem. Tirei a minha última foto junto a um totem da Estrada Real e fiz o último carimbo no meu passaporte.

Quase não acredito que consegui realizar este sonho e conhecer grande parte deste caminho. Minha nossa, foi maravilhoso! É muito bom conhecer parte da história do nosso país e entender como foi que as coisas aconteceram no passado.

Hoje entendo uma frase que li quando estávamos montando o nosso roteiro: “Um roteiro pela região da Estrada Real, que integra as cidades do Circuito do Ouro, é um mergulho em nossas raízes históricas e culturais”.

Fernanda Machado para a coluna Páginas do meu diário

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