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Pense fora da caixa

Atualizado: 15 de jan de 2023

Nesta semana, eu mal comecei o dia e vivenciei situações que no geral tiram qualquer mãe e mulher do prumo, mas, como sempre funciona para mim, eu respiro, reflito e escrevo. E sabe por que funciona assim para mim? Porque eu aprendi a pensar fora da caixinha.

Por isso, hoje esse é o meu papo com vocês, mães, solteiras, casadas, com o outro lado responsável por uma criança ausente ou presente. Hoje, aos 44 anos, eu não consigo mais imaginar um mundo onde tudo se encaixa em um padrão, em uma caixa. E quando não cabe, você empurra, machuca, aperta porque precisa caber, certo?

Errado. Não precisa. Essa é a questão. Nada mais precisa caber em uma caixa. Lembra quando diziam que cada cabeça é um mundo? Leia agora assim: cada família é um mundo, e este mundo não precisa ser padrão, não precisa seguir o fluxo, nem mesmo quando este for aquilo que lutamos e defendemos.

Vou explicar: mães se culpam, já conversamos sobre isso, então segure a minha mão, porque estamos juntas nisso. Talvez um dia exista uma forma de não acontecer, ou, se acontecer, de ser menos penoso. Mas a verdade é que mães se culpam até mesmo quando não devem. E são tantas coisas que nos dizem, que lemos, que nos levam a buscar o pertencimento, e este talvez seja o maior problema em uma família.

Pertencimento é algo poderoso, tanto que é considerado um gatilho mental. As pessoas precisam pertencer a algum grupo para se sentirem seguras. Ok, isso funciona em muitos pontos — aqui mesmo, por exemplo, buscamos isso, não? Somos mães que desabafamos e nos libertamos da ideia de que tudo é lindo e satisfatório. Mas quando não sabemos identificar quando devemos pertencer e quando não devemos, tal ideia vira dor, culpa e tristeza.

Por exemplo, há muito falamos sobre a liberdade feminina, sobre nosso corpo e nossas regras, sobre nossos direitos e tudo o mais que vocês com certeza já sabem. As pessoas confundem feminismo com luta contra o homem e encaixam as mulheres, todas elas, em uma mesma caixa. Isso se reflete na família que você formou, seja ela você e seu filho único; você e seus filhos de pais diferentes; você, seus filhos e seu companheiro ou companheira; e todas as outras maneiras de formarmos uma família. E quando você se vê sendo empurrada por essa avalanche, por esse grito de liberdade feminino (necessário, tá?), você se vê em meio a coisas que talvez nem façam sentido para o seu ideal de vida.

Eles te dizem: você não precisa fazer tudo só. É verdade, você não precisa; se existe uma outra metade nesta história, são dois se dividindo e se reversando para um, certo? Ainda assim, eles dizem: a mulher é quem se sacrifica pelos filhos, é a que abre mão, é quem cuida; enquanto outros dizem: não é certo, são dois e dois precisam fazer isso. Onde está a verdade? Qual o correto? Se você é a que assume tudo só, você está errada e deve se revoltar? E se você é a que tem com quem dividir o peso e ainda assim, por escolha, quer ser a responsável, você está errada?

A verdade, amiga, é que não existe verdade. Pense fora da caixinha, lembra? São escolhas. Ok, as vezes são imposições, pois sabemos que mães solo existem em um grande número. Mas, ainda assim, escolhemos como vamos viver cada situação sem criar frustrações o tempo todo. Não precisamos entrar na caixa e ser a que vai bagunçar a família com exigências que, convenhamos, às vezes nem cabem nela.

Agora vou contar o que me levou a escrever sobre isso. Como falei lá no início, vivenciei situações complicadas nos últimos dias. Com prazos apertados, precisando entregar um conto, um livro e dois artigos em menos de um mês, programei toda a minha agenda para conseguir cumprir os contratos e segui nesse ritmo ciente de que exigia muito de mim, mas que precisava fazer acontecer. Mas, por alguma necessidade do universo, e às vezes eu penso em que tipos de planos o universo tem para mim para só bagunçar tudo de uma hora para outra, meu caçula acordou febril, em seguida vomitou, e o que aconteceu? Eu, a mãe, com um pai presente, dois outros filhos em idade para fazer a parte deles, assumi tudo. Eu sabia que não podia assumir, que meu prazo era apertado, que escrever com uma criança enjoando — com vontade de vomitar e nariz escorrendo — era uma missão impossível, e ainda assim eu não disse para o meu marido: fique, porque eu preciso trabalhar. Eu não disse ao meu mais velho, maior de idade: olhe o seu irmão enquanto eu finalizo meus artigos. Eu só me dividi em várias e fiz todas as coisas que precisavam ser feitas.

E, assim como muitas de vocês, eu me magoei. Eu pensei que todos eles sabiam dos meus prazos e poderiam assumir. Eu me cobrei porque sou a primeira a dizer que ali todos são pessoas com responsabilidades pela casa e pela família; que eu não moro só, não sou mãe solo, e a minha frase favorita para fazê-los entender: vocês não têm empregada, mas, se quiserem assinar a minha carteira e me pagar um salário mínimo, tô dentro.

Deu para sentir quantas complicações eu puxei porque precisava caber na caixa? E a verdade é que fiz essa bagunça toda dentro de mim. Do lado de fora, eu apenas me calei, esfriei e me afastei.

Depois, quando iniciei o meu processo de reconhecimento — que aprendi a fazer para conseguir lidar com tantos sentimentos e situações —, eu entendi que eu escolhi que fosse desta forma. Mas quando uma mulher escolhe que seja assim, ela quebra o fio da luta, é o que dizem, e é uma mentira absurda. A luta é pelo direito da mulher de poder escolher, inclusive escolher que seja assim. Com essa certeza que aliviou uma parte do peso, eu pensei: meu marido poderia ficar para eu trabalhar? E a resposta foi: em outro momento, sim; neste, não. Ele trabalha com projetos de marcenaria e, em especial naquele dia, precisava entregar o produto, pois estava no último dia do seu prazo.

Certo, eu também estava com prazo apertado, mas eu trabalho em casa. Eu posso deitar com meu filho doente e assistir a um filme com ele até a febre passar; eu posso, como estou fazendo agora, escrever pelo celular, ainda que precise bloquear os personagens do desenho para ouvir apenas os da minha cabeça. Nessa situação, dentro da minha família, as decisões tomadas foram as que cabiam na nossa realidade. Porque precisamos funcionar assim, dentro do que temos e com o que temos. E às vezes o que temos não cabe nessa caixa em que tentam nos enfiar.

Algumas pessoas não podem faltar no trabalho, outras possuem horas extras para esses momentos, outras precisam trabalhar mesmo com o filho doente em casa; algumas mães não podem cuidar, alguns pais possuem horários mais fáceis, algumas mães não têm a opção de o pai fazer algo, algumas contas com amigas, vizinhas e creche. Cada um do seu jeito, com as suas cartas e da maneira que melhor se resolva.

Não somos uma receita de bolo; somos uma mistura louca, uma fusão improvável de culturas, sentimentos, educação e criação. Somos únicos. Nossa família é única, por isso, quando você se magoar, se entristecer ou se revoltar porque para você não funciona como dizem que deveria, pense fora da caixinha. Até porque ser mãe é muito mais do que esse pouco espaço em que tentam nos colocar; é bem mais amplo, mais específico e totalmente único.

Se você entendeu o que eu quis dizer, olhe para a sua família, enxergue o mosaico que eles são e que, ainda assim, forma uma linda peça. Nada igual à da sua amiga, nem à da sua vizinha, nem mesmo à daquela garota legal com os posts que você costuma curtir. Porque vocês são únicos.

E assim você será livre para ser mãe sem correntes, sem rótulos, sem fórmula mágica, sem receita de bolo, sem precisar se dobrar em mil partes para caber em uma caixinha.

Tatiana Amaral para a coluna Maternidade