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Se eu não falar, quem o fará?

Sempre começo meus textos falando do que me aconteceu "dia desses", "outro dia". Não sei dizer porque, mas gosto dessa forma de resgatar pensamentos, situações cotidianas como se estivéssemos conversando durante um café. Aliás, essa coluna se tornou uma espécie de encontro para mim. Me sinto próxima de vocês, de alguma forma.

Dito isso, para manter nossa tradição, vamos começar o assunto:

Outro dia fui convidada para participar de um podcast, iríamos falar sobre direitos das pessoas com deficiência de modo geral. O que me chamou atenção foi a descrição da minha atuação como ativista, pois a entrevistadora enfatizou o meu foco em falar sobre "mulheres com deficiência e relacionamentos".

O curioso é notar que nunca havia feito tal definição sobre mim. Quero dizer, realmente tenho o feminismo como norteador das minhas ações dentro do movimento das pessoas com deficiência. Entretanto, falar das relações me é algo tão natural. Talvez seja esse o motivo de não ter percebido antes.

Já me fizeram a mesma observação antes, porém me pareceu outra coisa. É sempre agridoce receber algumas críticas, principalmente quando dizem respeito a algo tão sensível para si. No meu caso, falar de relacionamentos sempre toca em feridas passadas, medos futuros e ausências no presente. Falo porque não há quem o faça por mim. Ou para mim.

Antes tinha um sentido de urgência, sabe? Precisava tocar nesse assunto com afinco, na esperança de resolver aquilo que também me impactava. Se pessoas com deficiência não puderem falar sobre relacionamentos, como iremos tecer relações mais afetivas? Como irei me aproximar de alguém que foi culturalmente ensinado a me ver como alguém doente?

Me sentia incompleta quando era dispensada por alguém. Muitas vezes era tão abrupto que me desatava em lágrimas. A última vez que me abri, não encontrei reciprocidade. Poderia ter sido uma situação cotidiana, você pode pensar. Ninguém é obrigado a gostar de outra pessoa, é claro.

Entretanto, quando algo se repete diversas vezes em sua vida e de outras, deixa de ser algo comum e passa a representar um sintoma.

Ser dispensada não é novidade para mim, infelizmente. Mas dessa vez me machucou mais, acho que foi por ter me dado conta da minha posição de abjeção social. Ser esse alguém que está sempre "deixado de lado, afastado, retirado, expulso, mantido a distância", que causa atração e repulsão, curiosidade e medo, desejo e raiva. (KRISTEVA, 2006).

Ter consciência dessa condição é pesado, pode ter certeza. Para te falar a verdade, evito me acostumar com essa realidade porque no dia em que isso acontecer deixarei de me incomodar com ela e, portanto, me calar diante da violência de estar neste lugar.

A ferida se fecha, mas deixa cicatriz. Uma marca tem memória, nos faz pensar no que fizemos, o que ainda podemos fazer. Deve ser essa a razão do meu mover como ativista. Há tanto para fazer, ou melhor, escrever. Não preciso pedir permissão para isso, só tempo.

Matéria de Fatine Oliveira para a coluna corpos sem filtro
 
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