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Cada um de nós tem o seu próprio jeito de ser

Atualizado: 18 de dez de 2022

Nota de alerta: neste, tentarei não ser ou provocar melancolia; ser sóbria e inopinada.

É difícil para a sociedade — ou para a população, de uma forma geral, de colocação de minha parte — encarar uma pessoa que sempre foi segregada, escravizada e desmerecida, uma pessoa que desde sempre esteve em um lugar de, digamos, “subserviência”, em destaque. Se essa pessoa em questão não estiver em um lugar de anuência ou sujeita à vontade de outrem, este fica revoltado ou causa confusão. Ser ou ter atitude de quem tenta agradar de modo exagerado ou servil, na base da bajulação, em nenhum momento em minha vida foi minha escolha. Tal atitude desde sempre incomodou, e daí surge a questão de que é preciso impor limites àquele cidadão ou cidadã. Essa pessoa precisa de um certo, digamos, “corretivo”. Ela precisa ser alertada de forma veemente de que aquele caminho escolhido não é o justo e que ele, pior, agride.

constrangimento ao dizer: “Desculpe, senhora, não falo inglês. E a senhora está em Paris, os franceses falam francês”. Enfim, essa é uma história para outra ocasião...

Eu literalmente enlouqueço, se me permito. Se eu perceber que estou sendo desrespeitada, subestimada, preciso colocar limite na pessoa e na situação.

Em minha vida, tenho inúmeras histórias de brigas necessárias, em que de certa forma sou obrigada a impor limites às pessoas quando estas e ou estes insistem em serem taxativos ao tentarem me colocar na subserviência. Deve ser difícil para o outro enxergar e perceber uma pessoa a quem nunca foi permitido outro lugar que não fosse o da SUBSERVIÊNCIA. A qualidade de ser subserviente é digna, sim, porém com os seus respaldos e medidas. Nada contra as pessoas que se sentem na obrigação de serem assim; de chegarem ao ponto de exagerar no outro tal atitude.

Não me agrada o fato de presenciar, ou sequer imaginar, eu exagerando tal comportamento.

Existem atitudes e comportamentos de algumas pessoas que são difíceis de compreender, eles chegam a provocar uma falta de inteligência naquele cidadão ou cidadã. O “ser” se perde em um abismo tão profundo e íntimo de soberba, em uma manifestação de arrogância, orgulho, presunção — e, na maioria das vezes, ilegítimos. Sem qualquer chance de resgate, sequer percebe o seu rompante de raiva ao perceber que aquela pessoa, predestinada à própria sorte da subserviência, se nega a permanecer e estar naquele lugar. Essa, sou eu. Muito antes desse rompante do outro, sempre existiu a minha negação, gerada pela ignorância (do outro), do preconceito (do outro), das injustiças (do outro), dos atos covardes (do outro).

Da minha desesperança. Das ideias impostas de fracassos estereotipados durante toda a história da minha existência e, ouso dizer, da humanidade. Digo “não” a tudo isso. E sigo tentando manter a ordem desordenada e pré-imposta pela maioria, que espera de mim exatamente eventuais explosões de minha raiva contida e pedidos de basta. Antes de todas essas explosões existirem, a raiva contida pelo desamparo e por tantas e inúmeras injustiças a mim impostas somente por existir. Portanto, coloco limites, sim.

Hoje existe uma vivência traumática, que mesmo uma parcela da humanidade, tentando evoluir lentamente, às vezes, ou quase sempre, escapa do controle da vontade e volta a causar estragos na maioria das vezes irreparáveis, sem conserto e sem remédio.

A desesperança assiduamente faz parte de meu cotidiano. A indignação surge e, sem perceber, lá estou eu outra vez, colocando limites no outro. Em geral, acontece de forma súbita, áspera, bruta. Chega a ser rude. São incorporados, muitas vezes, gestos para enfatizar.

Permanecer em silêncio devasta a minha alma e cria uma desarmonia. Pareço uma obra, uma pintura mal-acabada. Portanto, coloco limites, sim.

O desafio aqui é sensibilizar o coração das pessoas. Espero por algo extraordinário todos os dias. Eu sou e ainda estou aqui. Todos os dias, peço para que as pessoas esqueçam as regras, esqueçam o sistema, pois o sistema não se importa comigo, e eu sempre disse a ele: “Dane-se o sistema”.

Os que carregam o potencial de mobilização para a real e necessária mudança não podem ser banalizados nem se permitirem ficar ou permanecer em silêncio. Eles precisam anteceder as brusquidões.

Jogê Pinheiro para a coluna Espartilho Trans

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