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Fogo no parquinho das ilusões

Atualizado: 19 de fev de 2023

Há um tempo, estava passeando com meu marido em um parque famoso em São Paulo, e diante da área reservada para as crianças, com inúmeras famílias brincando com suas crianças, de várias idades, aquela algazarra que mistura risadas deliciosas, alguns choros, pais chamando seus filhos de volta, outros jogando bola, enfim, diante daquela cena idílica, eu, sem pensar, soltei: “olha aí, amor, o parquinho das ilusões…”

Meu marido olhou para mim assustado com o que eu disse, sem saber bem o que responder. Eu dei uma risadinha nervosa e mudei de assunto. Sim, até eu me assustei com o que eu disse, e sinceramente, nunca compartilhei esse pensamento com ninguém, honestamente, porque meu sincericídio me incomodou e eu precisei de um tempo para encontrar sentido nesse pensamento.

A princípio pode parecer uma frase amarga, e me perdoe se eu provoquei um gosto amargo em você quando leu essa frase, não foi a intenção.

A maternidade não é amarga, ela é indecifrável, tipo tutti-frutti, mas nem sempre é doce, às vezes é azeda, as vezes tão doce que até dói aquele dente do fundo, às vezes é amarga, mas na maioria das vezes é saborosa. Ela é tudo menos insossa. É acima de tudo, intensa e incorpora todos os sabores sem nos perguntar se gostamos do gosto ou se detestamos, se for dia de coentro e você odeia, suporte, de quiabo, suporte, de bolo de coco, se delicie, mas raramente é feita de chuchu.

A maternidade é sim mágica, trazer um bebê ao mundo é o maior de todos os milagres que nós seres humanos “comuns” somos capazes de performar. Ao mesmo tempo, acompanhar o desenvolvimento de um filho, é o maior de todos os desafios que o ser humano pode se dispor a enfrentar. E é aí que descobrimos que o que mais nos machuca nesse longo processo, é justamente a descoberta de que a maternidade foi construída em cima de inúmeras ilusões, essas sim deixam um gosto amargo na boca, porque se relacionam com as nossas frustrações, com os nossos medos e com a nossa incondicional falta de controle da vida.

As maiores dores na maternidade não são sobre os filhos, são sobre os pais. A desromantização da maternidade também não fala sobre os filhos, mas sobre os pais, e é isso que eu vim compartilhar hoje com você. A dor é dos pais, incorporada pelos filhos, e transbordadas na família e na sociedade. Como assim, Fabi?

“As maiores dores na maternidade não são sobre os filhos, são sobre os pais.”

Não consigo não pensar em Freud para explicar o âmago dessa questão. Freud explicou o desenvolvimento humano em cinco fases importantes do desenvolvimento psicossexual.

Fase oral, anal, fálica, de latência e genital. Na fase anal, que acontece entre 1 e 3 anos de idade, a criança internaliza inconscientemente quem ela é a partir de como ela percebe que são recebidos os seus “produtos” pelo meio externo (por isso é tão importante que a gente se controle e não ache um horror aquele cocô fedidíssimo feito fora da fralda, ele é o tal produto, feito dela, por ela para o mundo). Vamos fazer um fast-forward e acelerar da primeira infância para a vida adulta.

Se o que produzimos (trazemos para o mundo) é assim tão importante na significação de quem nos tornamos desde a mais tenra infância, vocês podem imaginar o impacto que tem na nossa percepção de nós mesmos sobre como é percebida e acolhida (ou não) a nossa produção mais significativa em nossas vidas, um filho?!

Não é à toa que se chama REPRODUÇÃO! O que coloca um peso ainda maior sobre o fato! Reprodução de quem? De nós mesmos!  Ou seja, há um inconsciente pessoal e coletivo que significa a maternidade como a identificação de valor dos pais, mais especialmente, da mãe. O filho “perfeito” significa a mãe “perfeita”. Só que o que é perfeito? Existe isso? Não. Nós sabemos que não, no entanto vivemos em uma sociedade cruel que coloca pessoas em caixinhas, que cola rótulos em nossas testas, que exclui muuuuito mais do que inclui, que julga infinitamente mais do que acolhe, e a maternidade é o ápice deste julgamento.

Como combater e nos libertar dessas dores?

Com sororidade, com terapia, com amor próprio incondicional, e com respeito à individualidade e ao processo único de desenvolvimento de cada filho, entendendo que eles são singulares e não a nossa reprodução, nem muito menos a redenção das nossas próprias “imperfeições”.

Feliz dia das mães, afinal precisamos muito comemorar a maior aventura, maior oportunidade de aprendizado e evolução, e o maior amor que poderemos experimentar nessa experiência terrena.

Fabi Guntovitch para a Revista MS

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