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Seios à mostra

Atualizado: 6 de set de 2022

Seios à mostra? Sim, e daí?! Temos o direito!

A capacidade de gerar vidas faz da mulher um ser diferente e privilegiado já que pode sentir e compartilhar essa fascinante experiência com outras pessoas e ainda trocar com esse ser em formação toda a energia necessária para que ele se desenvolva dentro dela de forma plena e contínua, a partir da concepção até o tão esperado nascimento do bebê.

O crescimento da barriga pode ser visto por todos, mas apenas sentido pela gestante através da ação de inúmeros hormônios que entram em ebulição desde a fecundação, dando lugar a outros que atuam após o parto e que são produzidos pelo sistema nervoso materno, sendo fundamentais para a amamentação, quais sejam, a prolactina e a ocitocina. A primeira age nas células produtoras de leite, sendo estimulada pela sucção do bebê, cujo desempenho pode ser auxiliado pelas técnicas corretas da amamentação. Já a segunda atua na liberação do leite armazenado, sendo influenciada pelo estado emocional materno, de modo que a ansiedade, o medo e o estresse inibem a sua produção e liberação.

A amamentação é a forma mais saudável de alimentação do bebê, já comprovada em estudos científicos e recomendada por todos os médicos e, apesar de parecer simples aos olhos de terceiros, sendo considerada por muitos como algo natural, inato e livre de maiores dificuldades, a prática demonstra que amamentar não é algo instintivo, já que há técnicas a serem aprendidas e barreiras a serem vencidas. Nem sempre a pega do bebê está correta ou o mesmo tem força muscular suficiente para sugar tão logo nasce e, às vezes, o próprio corpo da mãe ainda demora um pouco mais para responder ao estímulo provocado pela sucção do recém-nascido, sem contar ainda os bebês que têm alergia ao leite materno ou que não se interessam pura e simplesmente em mamar, tendo que recorrer precocemente aos leites artificiais.

Ao contrário do que parece, amamentar envolve muita disposição, desprendimento, renúncia, sendo a maior prova de amor que a mãe pode dar a seu filho. Algo que não tem preço comercial, mas um valor sentimental inestimável.

“Ao contrário do que parece, amamentar envolve muita disposição, desprendimento, renúncia, sendo a maior prova de amor que a mãe pode dar a seu filho.”

Há mulheres que mesmo desejando profundamente a maternidade preferem não passar pela experiência de amamentar ou aceleram o processo de desmame, seja por vaidade (temor da flacidez das mamas), preguiça, falta de informação, de suporte familiar ou de apoio dos serviços de saúde, insegurança, falta de tempo, pressões da vida moderna, dentre outros, o que para muitos seria algo passível de críticas, sendo algumas mulheres hostilizadas e rotuladas de megeras, insensíveis ou não merecedoras da bênção que é ser mãe.

Todavia, tais manifestações de vontade devem ser respeitadas e não criticadas, já que a mulher é dona do seu corpo e livre para escolher entre amamentar ou não o seu filho ou mesmo interromper o processo a qualquer momento caso não se sinta em condições de prosseguir. Tal decisão compete única e exclusivamente à mulher, a qual merece ser apoiada e blindada de julgamentos maliciosos.

Porém, de uma forma geral as mães desejam amamentar seus filhos e muitas delas batalham bravamente para tanto, mormente, após algumas dificuldades enfrentadas logo após o nascimento do bebê.

Percebam que amamentar é um ato muitas vezes de resistência, devendo algumas mães serem premiadas como verdadeiras guerreiras por terem desbravado obstáculos severos até a estabilização do fluxo de amamentação. Várias lactantes sofrem nos primeiros dias de amamentação com dores nos seios, chegando a equipar a boca do  recém-nascido a uma navalha (mesmo sem um dente sequer!), sendo normal o aparecimento de rachaduras, sangramento, ardência e feridas que tendem a melhorar com o passar do tempo.

Normalmente àquelas que passam por dificuldades e conseguem suplantá-las valorizam mais a amamentação e tendem a estendê-la, desde que haja tempo hábil para tanto.

Aquela ideia de que a amamentação ocorre somente a cada três horas é utópica, pois na grande maioria das vezes o bebê mama quase que ininterruptamente, já que o peito também desempenha outras funções sendo oferecido como forma de acalmar o bebê, que passa por uma crise de cólica severa, por exemplo, ou que se assustou por algum motivo ou mesmo como um acalento antes de dormir. Atire a primeira pedra a mãe que nunca ofereceu o seio ao filho nesses casos, não relacionados à fome propriamente dita, mas sim a um ato de aconchego ou carinho? Até mesmo por que no início não há como diferenciar os tipos de choro, conforme a demanda do bebê e a principal e mais fácil ferramenta que a mãe tem a sua disposição é, sem dúvida o seu seio, um lugar seguro, calmo, quente e que lhe pertence até conseguir se alimentar através de outras fontes energéticas.

Após a explanação acima sobre o direito que a mulher tem de amamentar ou não o seu filho, àquelas que resolvem fazê-lo, com as quais me identifico, até mesmo por que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno até pelo menos o segundo ano de vida do bebê, mães têm o direito de amamentarem onde quiserem, seja no conforto de suas casas, no consultório médico, no ambiente de trabalho, numa praça, clube, shopping, praia, ônibus ou metrô, num recinto religioso ou até mesmo numa cerimônia de casamento, não podendo ser julgadas pelo fato de amamentarem publicamente e, da mesma forma, àquelas que não desejaram ou mesmo não puderam amamentar, não podem ser crucificadas ou discriminadas por isso.

“A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno até pelo menos o segundo ano de vida do bebê, mães têm o direito de amamentarem onde quiserem.”

Muitas vezes não há uma cadeira apropriada ou mesmo uma posição confortável, porém as mamães mais persistentes acham um jeito de continuar amamentando, mesmo na correria do dia a dia, descendo as escadas do metrô, dentro do elevador ou mesmo em uma apertada poltrona no interior de um avião. Nada funciona como empecilho diante daquelas que curtem amamentar seus bebês a qualquer hora ou lugar, assim que solicitadas por eles.

Outro fator que não pode ser desprezado é a praticidade e a economia do leite materno.

Está sempre pronto e na temperatura ideal para o bebê, a qualquer hora ou lugar e não precisa ser fervido, misturado, coado ou dissolvido.

Recomenda-se que nos primeiros meses, mães e filhos devam fazer pequenos passeios que não comprometam sua saúde e segurança e nesse período o bebê precisa mamar quase que o tempo todo, assim a amamentação é quase que inevitável. Mesmo assim, algumas mulheres não se sentem confortáveis de amamentarem em público devido à reação de algumas pessoas que as deixam constrangidas.

Ressalto que a vontade de amamentar em público ou não, deve ser respeitada e que a mulher precisa ponderar entre prosseguir com o ato, ainda que isso atinja algumas pessoas que ainda se chocam com a cena dos seios da mãe à mostra mesmo com o filho no braço, confiante nos benefícios daí decorrentes, podendo as mais tímidas se valerem de alguns acessórios como lenços e panos que deixem as mamas menos à mostra aos olhos de terceiros, ou simplesmente suspender a amamentação em certos lugares contrariando os anseios do bebê, sabendo que isso pode gerar consequências desagradáveis como um ataque de fúria, seguido de choros mais intensos, deixando-o confuso e estressado pela privação momentânea do leite, sobretudo, se estava acostumado ao sistema da livre demanda.

Antes de criticar com base em um olhar superficial que realmente vê uma parte do corpo da mãe à mostra, sendo parcialmente encoberta pela cabeça do bebê, a pessoa deve procurar compreender o processo mágico de interação que está acontecendo naquele momento entre dois seres. Algo conforme já dito que muitas mulheres gostariam de vivenciar, mas que algumas não puderam por diversos fatores.

Quantas noites sem dormir aquela mulher com os seios despidos não passou nos primeiros meses do bebê? Quantas vezes foi privada de fazer suas próprias refeições e mesmo com muita fome ainda teve que despender um aporte calórico ainda maior para alimentar o próprio filho? Quantas roupas deixou de usar por serem fechadas demais e incompatíveis com a amamentação? Quantas já estão dispostas a encerrar o processo, mas encontram sérias dificuldades, como no caso de bebês que se recusam a largar o peito, mesmo após os dois anos de idade? Quem nunca ouviu relato de mulheres que chegam a urinar por cima de suas próprias vestes, sentadas no vaso com o bebê no colo, nos casos em que este se encontra adormecido e a mãe não deseja interromper a mamada para não acordá-lo pretendendo colocá-lo assim que possível no berço para ela própria voltar a dormir? Às vezes a amamentação durante a madrugada e a privação de sono são tão extenuantes que algumas mães cochilam com seus bebês no colo e mal se aguentam em pé no dia seguinte.

Assim, todos os que pensarem em criticar mães com bebês no seio, ainda que não tão pequenos, deveriam ter conhecimento de todo esse árduo e desafiador percurso que muitas delas passam até chegar ao desejado estágio de estabilidade na amamentação.

“Quantas noites sem dormir aquela mulher com os seios despidos não passou nos primeiros meses do bebê? Quantas vezes foi privada de fazer suas próprias refeições e mesmo com muita fome ainda teve que despender um aporte calórico ainda maior para alimentar o próprio filho?”

A Constituição da República de 1988 assegura a liberdade de todos e o direito da criança de receber o melhor alimento do mundo que é o leite materno e não se considera uma ofensa ao pudor público a exibição do seio materno nesse caso, já que o bebê está sendo nutrido e a mãe está contribuindo para o fortalecimento do vínculo com seu filho e assim, o organismo da maioria dessas mulheres libera serotonina, hormônio responsável pela sensação de prazer. O leite muito mais que um alimento é uma proteção imunológica, um líquido vivo que contém a presença de glóbulos brancos, já que o lactente nasce desprotegido e só consegue anticorpos satisfatórios ao primeiro ano de vida. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) o leite materno possui tudo o que um bebê precisa durante os seus primeiros meses de vida. Amamentar é uma parte fundamental do cuidado com o bebê, pois proporciona contato físico, carinho, estímulo e proteção contra doenças.

O artigo 396 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que para amamentar o próprio filho a mulher terá direito a dois descansos especiais, de meia hora cada um durante a jornada de trabalho até que seu filho complete seis meses de idade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), garante que toda criança tem direito ao aleitamento materno e as mães têm o direito de amamentar seus filhos. O poder público, as instituições e os empregadores devem oferecer condições adequadas para o aleitamento materno.

No trabalho as salas de apoio à amamentação são lugares adequados para que a mulher, durante a sua permanência no trabalho, retire o leite de forma segura para que possa ser oferecido posteriormente ao seu bebê.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não tem nenhum dispositivo específico sobre o direito à amamentação, mas isso não significa dizer que a prática possa ser proibida pelos estabelecimentos. Porém, mesmo não estando previsto no artigo 39 do CDC constranger o aleitamento em qualquer tipo de estabelecimento, existindo ou não lugar com tal destinação, trata-se de uma prática abusiva que viola os direitos fundamentais da mãe e do bebê, constitucionalmente protegidos e hoje garantidos por leis estaduais e municipais.

A Constituição garante também, a todos, em seu artigo 5º, inciso V e X o direito a indenização por dano moral e material, bem como o artigo 6º do CDC também prevê a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais sofridos pelo consumidor.

Infelizmente as leis que punem quem proíbe a amamentação em lugar público são de âmbito estadual, entretanto tal direito vem sendo gradativamente conquistado pelas mulheres em todo território nacional.

Peitos à mostra são algo comum no Brasil. Quem nunca os viu em revistas, jornais, praias, televisão, principalmente nos desfiles das escolas de samba? Curioso é que a mesma sociedade que se sente ofendida com o aleitamento em público não se sente ofendida com a nudez gratuita nas publicidades, na televisão, na internet ou numa peça de teatro, de modo que comercialmente, tudo é possível.

“Peitos à mostra são algo comum no Brasil. Quem nunca os viu em revistas, jornais, praias, televisão, principalmente nos desfiles das escolas de samba?”

Muitas vezes a crítica advém de uma pessoa mais amarga ou da frustração de quem não conseguiu ser mãe ou amamentar o seu bebê como gostaria. Pessoas com tais pensamentos, além de não apoiarem a ideia do aleitamento em público, preferem condenar o ato sem uma explicação razoável. Aqui ganha destaque o conhecido ditado popular que diz: “Os incomodados que se mudem!” Se você é uma dessas pessoas, que tal experimentar desviar o olhar ou mudar o percurso para não ter que encarar a cena?

O preconceito decorre muitas vezes da objetificação do corpo da mulher, da tendência da sociedade a sexualizar um ato que não tem nada de sexual e que é tão importante para o desenvolvimento físico e psicológico da criança.

Fato é que a amamentação em público na maioria das vezes desperta um bem-estar geral, estimulando mulheres a serem mães e a amamentarem seus filhos, afinal que mal há nesse singelo ato de amor? Então se há no mundo mulher merecedora do nosso máximo respeito e admiração é, sem dúvida, a lactante. Amamentar é um ato de carinho, cuidado e amor entre mãe e filho, que fortalece o bebê, satisfaz a mãe e enobrece a alma. Assim, as lactantes frequentadoras de lugares públicos não devem ser estigmatizadas, mas sim reverenciadas como guerreiras, heroínas e mulheres de fibra.

“O preconceito decorre muitas vezes da objetificação do corpo da mulher, da tendência da sociedade a sexualizar um ato que não tem nada de sexual e que é tão importante para o desenvolvimento físico e psicológico da criança.”

Há cena mais emocionante que ver um bebê suspirando e se acalmando quase que instantaneamente após o contato com o seio materno? Nesse momento, forma-se um campo energético entre mãe e bebê, dentro do qual ele se sente amado, seguro e protegido por àquela que lhe deu à luz, pouco se importando com o que acontece ao seu redor.

Se você é mãe e lactante e leu esse texto, amamente sempre que puder sem ceder a pressões externas, mantendo-se firme no seu propósito e incentivando outras mulheres a fazerem o mesmo, pois só assim teremos um mundo com crianças mais saudáveis e felizes. Se você não é mãe e nem lactante, mas gostou desse texto, abrace a ideia e seja também um(a) colaborador(a) estando certo de que assim agindo estará contribuindo para uma sociedade mais ética, justa e coerente!

Matéria de Maria Madalena para a coluna Direito das Mulheres

Maria Madalena, é delegada de Polícia Civil há mais de 13 anos. Coordena ao todo 7 delegacias no Estado do Rio de Janeiro, incluindo a Delegacia do Complexo do Jacarezinho. Ela convive diariamente com a violência extrema contra a vida e a dignidade da mulher, absorvendo grande conhecimento de causa para dividir na coluna os fatos e as possíveis soluções deste tipo de conflito que, infelizmente, está mais presente do que nunca na vida das brasileiras.

Formada em Direito pela UniverCidade, e pós-graduada em segurança pública e cidadania, Maria Madalena se divide entre os cuidados com sua família e o trabalho. Ela é casada e mãe de dois filhos: Lucca Vicenzo e Luigi Matteo.

Maria Madalena não possui perfil em redes sociais para preservar a sua segurança e da sua família.