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Sexting

Atualizado: 14 de abr de 2023

Da explosão do prazer ao rigor punitivo

Trata-se de um fenômeno que surgiu nos Estados Unidos, apreciado por jovens americanos, há aproximadamente treze anos e que, gradativamente, chegou em nosso país sendo muito difundido entre os adolescentes e adultos jovens, sobretudo, mulheres.

A proposta desse texto é informar sobre os riscos dessa prática que virou mania entre os jovens, principalmente meninas, seus efeitos deletérios e como pode ser evitada e combatida em nossa sociedade quando envolver crianças e adolescentes.

Vamos começar por uma interpretação literal da palavra “Sexting”. “Sex” significa sexo em inglês e “texting” pode ser traduzido como envio de mensagem. Atualmente a palavra tem um significado mais abrangente e, também alcança o envio de fotos, vídeos e áudios, devido ao avanço tecnológico que permitiu essas novas possibilidades.

A partir desse conceito uma leitora mais atenta já pode imaginar o que proponho a discorrer ao longo desse texto, cuja principal função é alertar e não condenar ou julgar os adeptos desse comportamento, que se alastrou rapidamente por nosso país e que permanece muito presente no dia a dia, ainda que de uma forma, muitas vezes velada.

A prática do “Sexting” consiste na produção e envio de fotos e vídeos de corpos nus ou seminus e, até mesmo, em cenas de sexo explícito pela internet, através das redes sociais ou aplicativos de conversas.

Sendo adultos os participantes, inexiste qualquer punição, para aquele que produz, fotografa, filma ou registra por qualquer meio cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado, desde que haja autorização dos participantes, porém, em caso de negativa de uma das partes, tal conduta poderá configurar o crime de registro não autorizado da intimidade sexual, previsto no artigo 216-B do Código Penal.

Da mesma forma considera-se criminoso o ato de divulgar cena de sexo ou pornográfica, por qualquer meio, sem o consentimento da vítima, maior de idade, conforme artigo 218 C do Código Penal.

Percebam que antigamente quando um grupo de jovens se reunia, de forma escondida, no vestiário do banheiro, durante o recreio, por exemplo, era para no máximo verem uma revista com modelos nuas ou em fotos sensuais. Hoje em dia quando toca o sinal do intervalo os alunos se divertem ao mostrarem fotos picantes através do visor do celular de adolescentes nuas ou praticando sexo. E o pior é que não se trata de fotos baixadas da internet, mas sim dos colegas de turma, gravadas por eles próprios.

Aquelas brincadeiras ou jogos sexuais com amigos da escola ou vizinho que aconteciam atrás do muro da escola ou embaixo da escada do condomínio hoje está na internet e ganhou o nome de “sexting”.

E qual seria o principal objetivo disso? Fama virtual. Apenas isso. Neste universo ganha àquele que tiver mais acesso e “curtidas”.  Pessoas praticam “sexting” para se exibirem, seduzirem, mostrarem interesse em alguém, demonstrarem compromisso ou por pura diversão.

Mas qual o preço dessa exposição para quem se fotografa através de selfies ou se deixa fotografar ou filmar? Qual o impacto para a família, amigos e sociedade como um todo?  Qual a consequência disso sob o ponto de vista criminal? Já posso adiantar que o sexting pode resultar em responsabilização civil e criminal por configurar crime de pornografia infantil e prostituição quando envolve pessoas menores de 18 anos.

Apesar de sua popularidade é importante estar atento sobre os riscos de compartilhar momentos íntimos na internet.  Há casos de vazamento de conteúdos desse tipo por motivo de quebra da confiança entre casais apaixonados ou de frustração de expectativas diante de relacionamentos rompidos, ensejando comportamentos vingativos por uma das partes, normalmente homens, sendo a pornografia de vingança considerada uma forma de violência sexual.  Isso sem contar ainda na possibilidade real de invasão de dispositivos eletrônicos por hackers cada vez mais habilidosos, de modo que o simples armazenamento de tais fotos ou vídeos não impede que seu conteúdo se torne público, pois pessoas más intencionadas existem também no mundo virtual.

Muitas vezes os jovens enviam mensagens de cunho sexual para pessoas conhecidas com as quais mantém alguma relação afetiva, mas em outros casos, esses conteúdos podem ser enviados para pessoas que os jovens acabaram de conhecer na internet que escondem suas reais identidades atrás de perfis falsos, sendo verdadeiros predadores sexuais. A curiosidade pode fomentar encontros pessoais com o “amigo” virtual e favorecer o abuso sexual ou estupro.

Há também os casos de jovens que são pressionados ou chantageados para que enviem a prática do “sexting” por pessoas que ameaçam divulgar segredos do adolescente na escola, por exemplo, e em troca do silêncio exigem o envio de mensagens com teor sexual. E não para por aí, pois às vezes após o primeiro envio as vítimas ainda podem ser constrangidas a continuarem, sob pena de exposição das fotos já enviadas anteriormente.

Alguns adolescentes acabam cedendo a pressões feitas por colegas e com medo de não serem socialmente aceitos acabam enviando mensagens indevidas.  Nessa idade a influência do meio reflete diretamente na decisão final de muitos jovens. Daí a proximidade com os pais ou outros responsáveis ser fundamental para que os mais incautos consigam resistir a essas interferências maléficas externas.

A relação de confiança e de diálogo mantida entre pais e filhos, deixando claro os perigos que o “sexting” oferece é de extrema importância e atua como um potente mecanismo de prevenção.

Difícil encontrar alguma vantagem em práticas que buscam a exposição de corpos de jovens meninas que sequer alcançaram o ponto de maturação da personalidade ou o ápice do desenvolvimento físico, as quais ao chegarem na idade adulta ainda poderão sofrer o peso de um julgamento perverso por parte daquelas mesmas pessoas que algum dia se deleitaram com suas poses sensuais, mas que não aceitariam jamais alguém com tal histórico, dentro de um ambiente de trabalho, de um recinto religioso ou mesmo sendo cônjuge de alguém integrante de família tradicional ancorada em valores morais mais rígidos.

Atos muitas vezes impensados de um passado distante, que de alguma forma representaram alguma vantagem ou motivo de orgulho por parte daquele que, voluntariamente, se expôs podem se transformar em verdadeiras sombras em sua vida e, por mais que se batalhe intensamente para que elas desapareçam, o estrago que provocam é intenso e muitas vezes irreversível.

A intervenção de profissionais habilitados como terapeutas, psicólogos, psiquiatras é primordial e ajuda no resgate dos valores mais íntimos de algumas pessoas, muitas vezes, vilipendiados com a prática do “sexting”, atingindo de forma nociva a reputação de tais pessoas, isto é, o modo como serão julgadas pelos atos praticados anteriormente, já que mesmo com o passar do tempo não desaparecem ou caem no esquecimento popular.

Quero dizer que por mais que a própria pessoa que teve a intimidade e a privacidade sexual devassada se recupere daquele trauma sofrido e tente levar uma vida mais próxima do normal, muitas vezes não consegue, sendo eternamente rotulada e estigmatizada por onde passa.

Dentre as consequências podemos citar o aumento dos casos de depressão e transtornos de ansiedade, sobretudo, quando as vítimas são meninas. Algumas pessoas podem desenvolver ainda doenças psicossomáticas, como alergias e gastrite e às vezes, a vergonha e a humilhação de ver suas fotos ou nudez compartilhadas nas mídias sociais são tamanhas, que levam as jovens a se mutilarem e até mesmo a se suicidarem.

Notem que vidas estão sendo perdidas precocemente em razão do transtorno físico e mental causado pelo “sexting” e o curioso é que há forte uma tendência em seu culpar a vítima, normalmente, meninas e mulheres por terem compartilhado inicialmente tais imagens.

Já ouvi diversas vezes por parte de autores e menores infratores a seguinte indagação: “Mas Dra. Delegada, ela mandou a foto sem roupa para mim por que quis, sem eu pedir…” e eu juro que não compartilhei com quem quer que seja, mas salvei.”  A minha resposta é quase sempre: “E daí?! Pode soar curta e grossa, mas é a mais pura verdade. Precisamos que as pessoas se conscientizem de que o mero armazenamento de conteúdo pornográfico infanto-juvenil já constitui crime, conforme artigo 241-B da Lei 8069/90, punido com pena de 1 a 4 anos, independentemente de seu encaminhamento posterior a terceiros.

Casos como esse ajudam a informar cada vez mais a sociedade, pois a pessoa que recebe àquela foto ou vídeo comprometedor acaba encaminhando, copiando, postando, compartilhando ou simplesmente armazenando o conteúdo em seus aparelhos eletrônicos, sendo todas essas condutas punidas em se tratando de pessoas menores de idade e, em sendo maiores caso não haja consentimento quanto àquela prática.  Confesso que desconfio até mesmo dos aplicativos que prometem contar com um sistema de segurança mais reforçado, por não acreditar em blindagem 100 % segura.

Notem que um comportamento inicialmente prazeroso, que ganhou ainda mais força durante a pandemia, contribuindo para aproximar pessoas com certo grau de afinidade quando a regra era o isolamento social, para apimentar relações em geral e incentivado pelo marketing que há na exposição do corpo feminino, pode levar a consequências catastróficas e, às vezes, irremediáveis como a destruição de vidas.

A divulgação de conteúdo erótico ou sensual envolvendo crianças e adolescentes é crime de pornografia infantil punido com pena de reclusão de 3 a 6 anos, conforme artigo 241 -A do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90).  Vale a pena lembrar que a pornografia infantil é um dos crimes cibernéticos mais denunciados segundo dados da Safernet (ONG que recebe denúncia de crimes e violações de direitos humanos na internet).

Aproveito para esclarecer que crimes só podem ser praticados por pessoas maiores de idade, isto é, que possuam 18 anos completos da data do fato, de modo que o menor de 18 anos e maior de 12 anos não comete crime, mas sim ato infracional análogo à crime estando sujeito às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A nossa Constituição Federal assegura em seu artigo 5º a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e imagem das pessoas e prevê o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação.

Assim como o Estatuto da Criança e Adolescente, em seus artigos 17 e 18, trata do direito ao respeito que abrange a preservação da imagem e tutela da dignidade da criança e do adolescente, devendo ser resguardados de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório, constrangedor.

Importante estimular a discussão sobre sexualidade e internet de forma mais ampla nas escolas e em casa com os educadores e pais.  Esse diálogo deve existir desde a infância, sem repressão com esclarecimento e orientação.

Algumas medidas podem ser adotadas para a prevenção dessa exposição sexual precoce entre os jovens, quais sejam:

  1. A definição de regras e tempo de uso de aparelhos eletrônicos. Seja curioso, pergunte e saiba o que o seu filho faz tanto tempo no quarto calado, as vezes virando madrugadas em claro.  Procure saber quais são as ferramentas de buscas mais utilizadas por eles. Uma atuação proativa de hoje pode evitar danos severos futuros à imagem de seu filho.

  2. Não espere que ocorra um incidente desagradável para começar a dialogar sobre o assunto;

  3. Aponte os perigos e consequências que envolvem o envio voluntário de mensagens com conteúdo sexual e coloque-se a disposição para novas conversas e esclarecimentos de dúvidas;

  4. Oriente o jovem a excluir mensagens com imagens sexuais caso receba esse conteúdo de terceiros;

  5. Caso o seu filho tenha sido forçado a enviar mensagens com conteúdo sexual ou se souber que alguém está compartilhando ou mesmo armazenando tais imagens, procure a Polícia e formalize a denúncia além de solicitar a remoção do conteúdo ilegal ou ofensivo de determinada rede social;

  6. Respeite a si próprio e aos outros. Não peça imagens sexuais para as pessoas e, se lhes for solicitada não as forneça;

  7. Recuse passar adiante mensagens de sexting;

Podemos concluir que a internet é um ambiente virtual mas os perigos são reais por isso o ideal é se prevenir e preservar sua imagem e sendo você adulto recomendo que avalie muito bem os riscos, principalmente, se não possui estrutura emocional reforçada o suficiente  para lidar com a exposição de seu corpo, lembrando que o melhor a fazer é manter sua intimidade off line e sabe por que? Porque a internet não guarda segredos. Pense nisso.

Matéria de Maria Madalena para a coluna Direito das Mulheres

Maria Madalena, é delegada de Polícia Civil há mais de 13 anos. Coordena ao todo 7 delegacias no Estado do Rio de Janeiro, incluindo a Delegacia do Complexo do Jacarezinho. Ela convive diariamente com a violência extrema contra a vida e a dignidade da mulher, absorvendo grande conhecimento de causa para dividir na coluna os fatos e as possíveis soluções deste tipo de conflito que, infelizmente, está mais presente do que nunca na vida das brasileiras.

Formada em Direito pela UniverCidade, e pós-graduada em segurança pública e cidadania, Maria Madalena se divide entre os cuidados com sua família e o trabalho. Ela é casada e mãe de dois filhos: Lucca Vicenzo e Luigi Matteo.

Maria Madalena não possui perfil em redes sociais para preservar a sua segurança e da sua família.

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