Foi um dia muito esperado por mim, acho que talvez mais esperado do que os dias em que eles esperavam o “Bom Velhinho” chegar. Estávamos os quatro na livraria quando João me pediu uma fita de videogame. Eu disse que já havíamos gasto todo nosso dinheiro na Disney esse ano e que os presentes de aniversário e natal já haviam sido dados lá na viagem, conforme combinado antes.
Ele deu um sorrisinho esperto e continuou: “Ok mamãe, então eu vou pedir para o Papai Noel…”. Eu parei o que estava fazendo, me virei para ele e perguntei:
-“João, você acredita que Papai Noel existe?”
– “Claro…”- Disse sorrindo mais. Eu olhei fixamente e ele começou a rir. – “É… Acho que ele não existe, né mamãe?”
Ao lado estava o Cacá, que ouvia a conversa com atenção. Ele acredita. Acredita até demais em tudo o que é contado. Acredita em super-heróis, em monstros e em todos os contos. E sim, acredita em Papai Noel.
Resolvi desmistificar a lenda do Papai Noel e joguei o balde (aliás todos os baldes) de água bem gelada sobre suas cabeças… Não aguentava mais essa história de Papai Noel encantado, o velho bom que vem com seu trenó voador puxado por renas mágicas… Não aguentava mais árvores de natal, enfeites cheios de purpurina dourada que grudavam nas minhas poltronas e só saíam em meados de setembro… Não aguentava mais a magia irritante do natal, aquela trabalheira toda para organizar o grande dia que no fundo era só mais um motivo consumista para mover o comércio e fazer os adultos gastarem todo o 13o salário com perfumes do Boticário para as avós…
Ai, falei! Falei, falei, falei. Culpa toda minha!!! A “Caixa de Pandora” havia se aberto e agora não tinha mais como voltar atrás… Me libertei dessa mentira tosca que me obrigaram a contar a meus filhos desde o seu nascimento. Agora eu estava livre. “Livre para libertá-los”!!!
E a sensação foi realmente libertadora. Até o ponto em que reparei nos olhos marejados do Cacazinho, super triste e decepcionado… Ai… Que pena perceber que as mães também podem destruir os sonhos dos filhos! Percebi que ali estavam duas crianças, uma igual a mim, contestador, racional, destemido. O outro era diferente… Era sentimental, irracional, apaixonado. Ele não só acreditava, como gostava de acreditar. E eu havia tirado dele essa delícia do simples gostar do Papai Noel.
O que eu podia fazer???
A Valentina, sempre fã do João resolveu não acreditar em Papai Noel e seguir a linha do lado político da descrença absoluta. Cacá ficou ali, no canto da estante de livros infantis com um vão aberto em seu peito, sem poder mais acreditar nos sonhos que um dia lhe contaram. Os outros já riam e se lembravam das chaminés que nunca existiram e do trenó ridículo que voava com renas mágicas.
Me arrependi imediatamente do tom sarcástico que usei ao explicar que “renas não têm asas!!” ou “Carro voa? Não!!! Então como o trenó pode voar?” ou ainda: “nossa casa tem chaminé? Como o Papai Noel entra na sala?”…
Cacá me olhou firme e me disse: “Mamãe eu sei que Papai Noel não existe. Na verdade eu já sabia… Mas eu quero acreditar nele mamãe! Eu quero ACREDITAR”.
E foi aí que eu percebi que por mais que as lendas sejam mentirosas, elas também são esperançosas. E por mais que Papai Noel não exista de verdade, ou nessa nossa verdade adulta, ele pode existir de alguma forma na mente e nos corações das crianças. Ou na criança que existe em todos nós. Somos fruto da nossa educação e da nossa crença. Não somos só seres racionais que sabem fazer contas. somos também (e muito) seres irracionais, que amam sem saber o porquê. Que sonham e que acreditam.
Somos todos crentes dos sonhos que queremos acreditar.
E nesse mesmo dia, no dia em que eu havia destruído o sonho do meu pequeno Cacá, eu o ajudei a reconstruir esse sonho, recolocando o seu Papai Noel no lugarzinho especial da estante. No lugar de onde ele nunca deveria ter saído: nos seus sonhos.
Se eu acredito em Papai Noel? Não. Nem eu, nem João e nem a Valentina acreditamos em Papai Noel….
Mas sim, acreditamos no Papai Noel do Cacá.
Esse existe, podem acreditar!!!
(Natal de 2005)
Cris Coelho para a coluna Maternidade