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O Inimigo Mora na Minha Rede Social



Na contramão de todos os movimentos para a vida digital pós-covid e tendência de “way of life” para a próxima década, saio deste cenário mais cética do que entrei há uma década. Vi meus amigos amadurecerem diante dos meus olhos pelo foco de suas câmeras, que passaram a ser cada vez mais tecnológicas e a registrar, diametralmente, suas existências mais artificiais e menos interessantes, a cada nova festa, a cada novo evento…


Tentei fazer do mundo virtual minha profissão, mas via-me careta demais para disputar lugar com meninas que luziam uma pele extremamente jovial, cujas dicas para esconder defeitos, que na verdade nunca me incomodaram antes, eram extraordinariamente boas e descartáveis. Boas porque, de fato escondiam os ditos defeitos, e ruins porque de nada me adiantariam se eu nunca usei maquiagem.


E quando via as novas tendências de comediantes, músicos ou mesmo “coachs” encontrava um abismo entre a boa e velha formação, somada às horas de estudo e experiência, e os novos gurus das redes sociais, que se aventuravam a dizer o que, muitas vezes, nem eles sabiam ao certo. Mas, se tratando de um mundo onde o conhecimento é absorvido em pitadas fortuitas de uma busca pelo google e um mosaico de frases de efeito incrustadas na parede sólida da ignorância genuína de um ser humano, o sucesso deste segmento mostrou-se eficaz e mais vantajoso do que o valor gasto em uma faculdade chata, aturando chefes e colegas igualmente, chatos.


Afastei-me dos meus anseios iniciais e passei, então, a dedicar-me a algo realmente original; algo que me trouxesse conforto psicológico no meio desse temporal chamado vida e um pouco de sanidade no meio desta selva social que a cada hora muda de nome e de faixa etária (para mais jovens e incultos – diga-se de passagem). Ancorei meus escritos em um patamar que alcançasse olhares mais maduros e mentes mais brilhantes. Encolhi-me na minha insignificância digital quando o assunto eram as melhores caras e bocas ou um ar mais “blasé”, cujo moletom e o cabelo cuidadosamente despenteados sugeririam um ambiente intimista, mas que, convenhamos, havia sido estrategicamente preparado para isso…


Deixei que minhas crias passeassem por este universo prostituído de promessas vagas de felicidades momentâneas e observei, à distância, seus primeiros passos rumo a este universo digital tão novo quanto perigoso. Encontrei razão nas palavras da minha mãe quando me avisava dos perigos da rua, na época em que uma dose de algo na minha coca-cola já seria suficiente para levar boa parte da minha boa-fé nas pessoas; encontrei doses desse algo nas conexões dos meus filhos, nas conversas subliminares, nas figurinhas e textos estranhos que se proliferavam em grupos de “fortnite” e que invadiam a mente das crianças com frases tão inapropriadas para a pouca idade deles.


Indaguei as novas orientações do mundo real, que proíbem certos conteúdos e delimitam idades e horários para os jovens da geração atual, e, por alguns instantes preferi que a tv ainda sintonizasse as bizarrices de antes, pois fato é que seria muito mais simples desligar um único botão de um único meio de comunicação que tentar entender como funciona o novo mundo digital, cada vez mais complexo e cada vez mais rápido para minha mente criada na década de 70.


Tento impor minha vontade enquanto posso, tento encontrar outras formas de diversão para os pequenos que recém entraram na arena virtual do cruel universo das redes sociais. Imploro aos deuses que os deixem saudáveis e que conserve suas mentes de todo o lixo tóxico que inunda a cada dia essa já colapsada interface tecnológica.


Não sei o que acontecerá com meus filhos ou, mais ainda, com os filhos dos meus filhos, quando as redes sociais se tornarem a adega das suas emoções. Rezo para que encontrem no seu caminho pessoas desintoxicadas da superficialidade insuportável deste meio, para que possam encarar seus medos com coragem e para que se tornem seres humanos com valores melhores que os seus amigos virtuais, de papos estranhos e figurinhas pornográficas, debochadas e preconceituosas.


Algo eu aprendi nessa jornada digital: os inimigos do mundo real são terríveis, mas os inimigos que moram nas redes sociais são bem piores…


Cris Coelho para a coluna Maternidade

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