Assisti “Maid”, a série do momento com muita expectativa; de certo, ela é tudo isso que comentam e muito mais. É uma experiência sufocante e triste, mas ao mesmo tempo necessária, poder respirar a atmosfera poluída de machismos e intolerâncias na qual Alex, nossa protagonista, é submetida. Faz bem para a alma sentir que somos, até certo ponto, compreendidas em nossa dor, em nossa falta de oportunidade em vivenciar nossos sonhos e em usufruir livremente nossas vidas. Faz bem percebermos que um olhar está despertando para este câncer social que nos acompanha por tantas décadas, desde que ocupamos (ou tentamos ocupar) uma posição fora do “bendito lar”…
E existe uma inevitável admiração à nossa heroína, que bravamente acomoda sua cria embaixo dos finos braços para, então, socorrer nossas carências de aplausos e devaneios propositais a cerca do nosso querer mais genuíno.
Odiamos sua emblemática carrasca, que curiosamente é uma mulher preta, diferente dos padrões hollywoodianos e tupiniquins, mas ainda assim, consegue encarnar a mais diabólica criatura, saída diretamente de um conto da Disney, onde a madrasta má faz de tudo para destruir a boa fé a a autoestima da jovem mocinha indefesa. E é aí, exatamente neste ponto, que minha visão pouco ortodoxa se manifesta veementemente: somos todas vítimas e vilãs, de alguma forma.
Explico: em todo momento de dor e de agonia por que passa Alex, percebemos o universo de injustiças que é derramado contra ela, desde a falta de empatia da própria família, passando pelas mal-humoradas colegas de trabalho até o sistema burocrático do local onde vive; porém, nos esquecemos de observar as fraquezas óbvias da personagem, que, com todo o azar inerente à sua roda da vida, passam despercebidas por nós, meros expectadores apaixonados por um drama sem solução aparente e por uma mocinha com enormes olhos amendoados cheios de desesperança e traumas advindos do passado.
Não se enganem! Eu amo um drama e uma injustiça. Amo ver a vida como ela é e choro lágrimas urgentes ao vivenciar um pouco da dor alheia – eu me sinto confortável nessa atmosfera da dor, do drama, do caos…
Voltando à Alex, precisamos avaliar alguns pontos, dentre eles, o fato de que ela invadiu o espaço alheio ao bisbilhotar gavetas dos patrões e encontrar seus pertences íntimos, que mais tarde foram detalhados em um diário para uso acadêmico, com o intuito de entrar em uma universidade. Se isto ocorresse (e ocorre) na vida real seria um ato, no mínimo, reprovável.
Ainda com relação à sua conduta laboral, Alex experimentou (sem consentimento) as roupas da sua patroa Regina, bebeu seu vinho caro, convidou um jovem para entrar em sua casa e assumiu uma identidade falsa, apropriando-se de bens que não eram seus. Em outra ocasião, ela usou o laptop da patroa , sem permissão, quando deveria estar cuidando da casa e de um bebê enquanto a patroa dormia.
Alex também “passou a perna” na única pessoa que a contratou, que jogou limpo desde o início e que fez um combinado claro que existia um horário máximo para as diárias. Ela foi bobinha durante grande parte dos 10 episódios, mas teve a “sacada” de anotar o endereço da casa que faria diária para oferecer seu serviço direto para a cliente, por um valor bem menor, “roubando” esta cliente da empresa. Nenhum empresário gostaria de ter um funcionário assim, concordam?
No que tange às necessidades da filha, em vários momentos Alex mostra-se negligente com essa filha, priorizando seu orgulho no que tange a seu pai (apesar de tudo que ele havia feito para ela, “Alex”, ele se mostrava disposto a cuidar bem da neta e ela ignorou esta possível ajuda), descartando uma ajuda óbvia de um possível interessado (Nate) para agir corretamente segundo seus princípios morais (note-se que a menina estava sem lugar para dormir e Alex não queria ir para a casa do rapaz por não achar adequado). Ou seja: ou Alex fingia estar apaixonada pelo Nate, ou ela aceitava a ajuda do pai carrasco do seu passado ou voltava para o ex-marido dominador; as três opções eram horríveis, mas ainda assim, melhores do que ver a própria filha passar frio e fome (ou os dois).
Ninguém deve se sujeitar a uma vida de abusos físicos ou emocionais. Ninguém deve aceitar menos do que merece e ninguém deve ser tratada como Alex foi, durante toda a série. Mas é fato que Alex era uma mulher fraca e perdida, a ponto de não entender a diferença entre o certo e o errado no que tange às necessidades mais urgentes da sua filha de 3 anos. Um exemplo claro foi o fato dela só ter saído do apartamento mofado depois que o zelador a expulsou por falta de condições salubres. As outras alternativas não eram elegíveis para ela, pois não compactuavam com seu sentimento de mulher guerreira que come o pão que o diabo amassou para não ter que depender de homem algum (junto com a filha, que nada tinha a ver com essa decisão, diga-se de passagem….).
Por fim, gosto da Alex e me envolvi com a personagem, mas não a ponto de me apaixonar. Preciso de um pouco mais de realidade e pragmatismo para entrar dentro de uma personagem; preciso encontrar os gatilhos que a fazem sobreviver ao inferno de ser ela mesma, e preciso ver sua dose de sacrifício sendo mostrada de forma visceral para poder encarná-la na minha pele. Preciso vê-la abster-se de seu pudor em prol da necessidade da sua cria e vê-la se rastejar, se humilhar, implorar para conseguir um reles pedaço de pão (mais para sua filha que para ela); preciso vê-la chorar compulsivamente pelas fraquezas que ela tem, que fazem parte dela, e que compactuam com um pouco da maldade genuína que a faria tão bela… preciso ver verdade no seu discurso, na sua narrativa, na sua estratégia.
Preciso ver um pouco de “Anna Lara” (do livro Promíscuo Ser) para acreditar que a personagem é real, e ainda assim, linda…
Cris Coelho