Já dizia a vovó: “só quem sabe a dor do calo é quem calça o sapato”… e ela, mais uma vez, estava certa. Só sabemos a dor de sofrer preconceito, seja ele qual for, quando somos nós, ou os nossos, as vítimas desta injúria. Sabemos que ofende, mas somente quando sentimos queimar em nós as palavras que são direcionadas para o nosso corpo, é que nos damos conta do quanto esse mundo é cruel e de quanto ainda temos que caminhar para chegar a algum lugar digno para nos receber.
E a hipocrisia maior é ouvir de brasileiros, histórias contra negros, gays e deficientes. Isso porque eles, os “brasileiros” são um povo miscigenado, feito à imagem e semelhança de vários, com histórias de macumba escondidas dentro das saias rodadas das damas da sociedade católica, que vislumbravam o título de burguesa, mas que dentro de quatro paredes sempre foram terríveis devassas que se embebedavam do cálice branco dos seus infiéis maridos para continuar usufruindo do título, mas sabiam elas que as criadas negras tinham mais ginga e mais bossa que seus duros “quadris de parideiras”…
São os brasileiros o povo de genética duvidosa, que se procriou a partir dos mártires e criminosos que fugiram do velho continente para saudar a vida de esbórnia providencial nesta terra cercada por lindos índios saudáveis que não falavam seu idioma estranho e com acento carregado. Foram eles, os brasileiros, que descobriram o samba, em rodas de vivência, sempre à margem dessa sociedade tosca e mesquinha, que entoava os hinos que os generais brancos do lado de cima do oceano gostavam. E esses moços brancos entraram aqui, nessas terras tropicais, com artefatos de plástico, cujas imagens dos personagens nada tinham a ver com os brasileiros, que insistiam em gostar daquela que tinha o corpo esguio e os olhos claros, mas que evidenciava a nítida falta de melanina brasileira em sua desbotada pele alva.
São eles, os “brasileiros”, que se esqueceram que aqui nessa terra ser gay não é algo raro, visto que todos eles, e todos nós, nos formamos na mesma escola: a que pregava que o sexo é sujo, não importa realmente com quem ou com quantos você está fazendo. Então é hipócrita ser preconceituoso se em algum momento da sua vida você foi assediado, molestado, desvirginado ou até mesmo estuprado; é hipocrisia julgar o gozo dos outros quando você mesmo não tem competência para falar abertamente sobre o que te emociona em uma cama, com um homem, com uma mulher ou mesmo sozinho. Isto porque, muitas vezes, alguns brasileiros nunca souberam o que é um orgasmo de verdade…
E para finalizar a minha fala, em meio a tanto preconceito: os brasileiros, todos eles, sofrem preconceitos desde o dia em que nasceram, só pelo fato de serem brasileiros. É um povo latino, com estirpe e sobrenome latinos, com cara, corpo e genética de latinos, embora alguns ostentem altura e cores dignas dos outros povos, em algum lugar lá dentro tem sangue de brasileiro correndo nas veias deles, nas nossas, e nas de todos que habitam essa vida dentro desta grande nação verde e amarela, que poderia ser linda se não fosse manchada pelo preconceito que assola a todos: os que sofrem e os que fazem sofrer.
Porque só o fato de serem “brasileiros” já os coloca na mesma posição de desvantagem perante o resto do mundo mais rico e dito “mais culto”: a posição de ser inferior segundo a ótica de uns que pensam ser melhores que outros…
Fui! (tentar sobreviver nesta selva de ignorantes preconceituosos… )
Obs: Eu tenho muito orgulho de ser brasileira e mais orgulho ainda de ser livre dos preconceitos cotidianos que assolam esta nação. Cris Coelho