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Quem se lembra do corpo gordo?


Você já deve ter ouvido falar de Sandman. Não? Já ouviu, mas não sabe do que se trata? Pois bem, vamos a uma breve apresentação.


Sandman é uma série de quadrinhos para adultos escrita por Neil Gaiman e publicada por um dos selos da DC Comics. A série recebeu diversos prêmios e recentemente ganhou uma adaptação da Netflix.


O sucesso não se deteve nos quadrinhos, visto que a produção da plataforma de streaming é a série de TV mais assistida da Netflix nos últimos dias, segundo FlixPatrol. Sandman ocupa o primeiro lugar do ranking de mais vistos não apenas no Brasil, como no mundo.


A série tem sido bastante elogiada pelos usuários, inclusive porque se propôs a inserir mais diversidade na trama e corrigir alguns erros cometidos nos quadrinhos. Legal, né?

Mas infelizmente o corpo gordo foi esquecido no churrasco mais uma vez.


"Passei anos demais tentando não chamar a atenção para mim por onde passava. Passei tempo demais tentando ser invisível."

A Morte, apesar de temida pela maioria dos humanos, é uma entidade gentil e amável. Ela é interpretada por uma atriz magra que aparece sempre maquiada e elegante.


Sonho, personagem principal da trama, é interpretado por um homem também magro, sempre envolto em mistério. O mesmo vale para Desejo, interpretada por Mason Alexander Park, que sempre aparece impecável. E é importante ressaltar pontos positivos como ter uma mulher negra e uma pessoa não-binária escaladas para personagens de tanto destaque.


Na hora de representar Desespero, contudo, escolheram uma atriz gorda - a única da produção, inclusive - que aparece sem maquiagem e com aparência desleixada. Embora a produção do streaming tenha se preocupado com o fator representatividade e tenha corrigido algumas problemáticas dos quadrinhos, não houve preocupação ou cuidado com a representação do corpo gordo. Por isso sempre pergunto: quem se lembra dos nossos corpos no fim do dia?


Enquanto assistia a série, esse detalhe nada ocasional me trouxe memórias latentes de um medo que sempre esteve comigo, especialmente durante a adolescência. Lembro-me de ver minhas amigas - magras - usando uma calça jeans com uma regata branca e um par de tênis e sendo chamadas de estilosas. Se apareciam sem maquiagem, então, diziam que elas reforçavam suas “belezas naturais”.

"Depois de passar muitos anos usando roupas neutras que “disfarçassem” a forma do meu corpo, finalmente encontrei um estilo que realmente traduz nas roupas quem eu sou. Misturar cores e estampas sem medo de parecer ridícula, usar os acessórios que tenho vontade, mesmo que sejam chamativos ou diferentões."

Em tempos frios, elas podiam usar um look completo de moletom, e ainda assim eram vistas como descoladas, autênticas. Em contrapartida, eu, garota gorda, se colocasse qualquer roupa mais confortável ou básica era vista como desleixada. Se resolvia sair com os amigos sem maquiagem, era “a que não se importava com a aparência”. Muitas vezes fui tratada como um “brother” por garotos que teciam elogios imensos às minhas amigas que usavam o mesmo que eu.


Queria dizer que o medo de parecer desleixada ficou no passado, mas estaria mentindo. Ainda hoje, me pego na frente do espelho avaliando se as peças que escolhi não me trarão ares de desleixo; se o que escolhi vestir me permitirá ser vista como uma mulher e não como um “brow”.


Depois de passar muitos anos usando roupas neutras que “disfarçassem” a forma do meu corpo, finalmente encontrei um estilo que realmente traduz nas roupas quem eu sou. Misturar cores e estampas sem medo de parecer ridícula, usar os acessórios que tenho vontade, mesmo que sejam chamativos ou diferentões. Passei anos demais tentando não chamar a atenção para mim por onde passava. Passei tempo demais tentando ser invisível.


Finamente cheguei ao ponto onde não tenho medo de ser vista. Contudo, é importante ressaltar que quando eu visto minhas roupas coloridas e expresso minha personalidade através do ato de me vestir, estou apenas sendo eu mesma. Há quem diga que “estou querendo chamar a atenção” ou “não tenho bom senso”, enquanto mulheres magras usando o mesmo são – repito – descoladas, estilosas, autênticas.


Um vídeo da influenciadora Luana Carvalho traduziu meu sentimento com perfeição. Ela diz: “eu me visto assim porque eu quero que outras mulheres gordas olhem pra mim e tenham a certeza de que elas também podem.”


Podemos!


Thati Machado para a coluna Gorda, sim!

Encontre-a no Instagram @machadothati




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