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Setembro Amarelo


Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. Preciso confessar: sempre tive medo de tratar sobre esse assunto de forma tão aberta, de conversar com aqueles que possuem histórias para contar, de dizer em voz alta que é possível... Mas também me sinto feliz em poder dizer que, ao contrário do que nos dizem (e eles sempre dizem) a culpa não é nossa. Quem é mãe e não tem medo disso talvez não esteja envolvida em nossa sociedade atual.


Na minha família, a que tenho por genética, carga existencial, exemplo e formação, existem alguns casos de suicídio, e percebam que eu falei alguns, o que, confesso, me desespera. Porque ainda que existam tantas causas para que uma pessoa entre em um estado de dor tamanha que escolha interromper a vida, a ideia da vivência, do exemplo e da genética é a que mais faz com que eu, como mãe, ainda levante todos os dias para verificar se meus filhos estão na cama, que invente desculpas para entrar no quarto deles, sem invadir a privacidade que tanto defendem, só para saber, ainda que escondido, se está tudo bem.


Eu tenho medo, muito medo e por isso resolvi escrever sobre isso.


Dois dos meus filhos foram diagnosticados com depressão. Aliás, depressão, antes tida como a doença do século, agravou-se com a pandemia e se tornou algo normal, que debatemos em bares e que, muitas vezes, por ignorância, medo ou apenas por não querermos encarar a verdade, deixamos de lado. Então, antes de dizer que dois filhos meus possuem o diagnóstico, eu tenho que contar a vocês que eu também tenho, e eu sei o quanto é difícil, e se é difícil para mim, que possuo tratamento, que convivo com isso há anos, que hoje consigo encontrar os meus gatilhos e enxergar os sinais... Saber que eles possuem o mesmo diagnóstico me faz ser o tipo de mãe que tem medo todo santo dia.


Um dos meus filhos, em seu diagnóstico, existe a referência a esta possibilidade com diagnóstico de depressão é uma criança e eu, como mãe, todos os dias penso em que ponto errei para que desde cedo houvesse tal diagnóstico para a minha criança, a que cuidei, amei, eduquei e também fui dura, exigente, tudo da maneira como acreditei que seria necessário para a formação do seu caráter. Como mãe, adoeci, chorei e choro até hoje. Tento encontrar respostas, caminhos e soluções. Tento encontrar perdão, apesar de saber que a culpa não é minha.


A depressão é uma doença e como tal precisa ser levada a sério, tratada e cuidada. Não sou psicóloga, não trabalho na área da saúde, mas sei, por experiência da vida que existem muitos motivos que podem levar uma pessoa ao suicídio e a depressão nem sempre é um deles, apesar de a sociedade, por ignorância, ou só por vontade de ser a voz, dizer sempre que sim.


O que eu sei, pelas experiências que vou narrar aqui e pelo que já ouvi de tantos profissionais é que o suicídio pode acontecer sim devido a depressão, também por transtorno psicológico, mas, ocorre em muitos casos, por um momento impulsivo, quando os pensamentos os empurram para uma única solução diante de algo inesperado.


O que posso dizer é que; mesmo com medo, mesmo implorando a Deus todos os dias para que nada disso aconteça, mesmo, como acabei de dizer, buscando resposta e convivendo com meus fantasmas, mães, a culpa não é nossa. Mas eles dirão que sim. “Por que não percebemos antes?” “Por que não fomos flexíveis?” “Por que isso ou aquilo…?” Por favor, acreditem em mim, a culpa não é nossa. E eu sei disso porque convivi com alguns casos de suicídio e sei que, em todos eles, quando a pessoa tomou a decisão, não havia mais nada a ser feito.


Contarei apenas um aqui, tá? O tema é triste e pesado e com certeza entre nós, mães que buscam desabafar, existe aquela mãe que passou por isso e que até hoje busca uma resposta sem nunca encontrar. Em respeito a você, escrevo este texto. Estamos juntas, lembra?


Há alguns anos eu precisei fazer uma das coisas mais horríveis que já fiz na minha vida. Recebi a difícil missão de entrar na casa da minha sogra e contar a ela que o filho dela escolheu nos deixar. Como mãe, eu desabei apenas ao assistir a dor dela. Não havia explicação, não havia uma maneira fácil de dizer a uma mãe que esteve com seu filho dois dias antes, que ele não fazia mais parte desse mundo que conhecemos.


Até hoje estremeço ao relembrar seus gritos, quantas vezes ela me olhou e me perguntou “por quê?” Lembro do meu marido segurando a mãe que parecia querer se partir em mil pedaços. Lembro que ela dizia a cada minuto: meu menino, mesmo o filho dela já sendo um homem. Para ela, naquele momento, ele era o pequeno, a criança sendo arrancada dos seus braços. Difícil demais relembrar, mas o que isso me traz além da tristeza?


Bom, por ter sido suicídio as questões burocráticas nos obrigaram a esperar demais e nesse tempo eu vi minha sogra questionar Deus, questionar o próprio filho, eu a vi se julgar, se perguntar como não percebeu que dois dias antes, quando ele a deixou em casa, em suas palavras estava a despedida. Lembro que ela tentou encontrar culpados, e talvez ainda tente, afinal de contas, ela é mãe, não? Assisti quando ela não conseguia perdoar a família por não a ter levado na casa dele quando foram avisados de que ele ameaçava, e não esqueço as suas palavras: eu me agarraria nas pernas dele, não deixaria, ou ele me levaria junto.


Mãe, você que infelizmente nesta vida precisou passar por algo semelhante, sei que nenhuma palavra fará seu coração se curar, sei que por mais que repita para si mesma de que não foi sua culpa, no fundo você acha que se houvesse uma chance, um único segundo, uma pequena concessão divina, você teria conseguido impedir.


De todos os momentos parecidos que vivi e vi, diante de todos os fatos reunidos, não, não havia como impedir. Em nenhum dos casos. A decisão foi tomada por eles. Se por depressão, por medo, por dor, por distúrbio ou por algo repentino com o qual não conseguiu lidar, naquele instante, foi o que ele decidiu.


Não defendo, não peço respeito, não seria uma boa espírita, kardecista, se dissesse a vocês que eles tinham este direito, mas também não serei eu a julgar ninguém. Tenho uma frase que digo a todos os que julgam: a gente só conhece a dor do outro quando calça os seus sapatos, então, não, também não julgarei, não estou aqui, neste espaço, para isso.


Meu objetivo é falar com você, mãe que assim como eu, vive com o medo, e com você, mãe que assim como minha sogra, perdeu um filho para vida (que é como eu costumo dizer.) Não há respostas, explicações, apenas a dor e a falta. Então, de verdade, já existe muito dentro de você, colocar a culpa como adicional não ajudará em nada.


E como não podia deixar de falar, você mãezinha, que tem filhos diagnosticados com depressão, lembre - se que ninguém se cura disso, você só aprende a viver com o que é, com o que tem para aquele dia, então, seja a que está lá mesmo quando ele não perceber, seja a que entende, a que estende a mão, a que diz que sabe que não é falta de fé, que não é falta de nada, é só algo… inexplicável, que acontece de forma diferente em cada um. Então, seja a força que ele precisa quando para ele, naquele momento, não existe mais nada. Mas acima de tudo, entenda que nada disso é culpa sua, nem dele. Não existem culpados.


"Não mentiram quando nos disseram que quando uma mãe perde um filho, todas perdem."

Finalizo aqui. É um tema difícil... difícil para mim como deve ser para muitos de vocês. Para aquelas que temem, lembrem-se sempre que estamos de mãos dadas. Para aquelas que sofrem, meu abraço mais apertado, mais aquecido e mais solidário. Não mentiram quando nos disseram que quando uma mãe perde um filho, todas perdem.


É isso.


Tatiana Amaral para a coluna Maternidade




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