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O que a história nos ensina sobre ego?

Atualizado: 20 de fev de 2023

Meus filhos fizeram um intercâmbio na Europa, nas férias de julho, e tiveram a oportunidade de visitar o túmulo de Napoleão Bonaparte. (Claro que não foi livre a escolha deles nessa visita - fazia parte da programação da escola.). Você certamente se recorda desse importante estadista francês das suas aulas de história, comandante de grandes batalhas.

Um ponto que ficou registrado nesta visita dos meus filhos, que eles contaram ao descrever a experiência, foi a narrativa do guia sobre a estrutura do lugar. O túmulo de Napoleão fica na cúpula da catedral do Palácio Les Invalides, um dos monumentos mais importantes da França, no nível térreo, no centro da cúpula, e a estrutura tem dois pavimentos com sacadas circulares no seu entorno. Segundo o guia, o local foi planejado para que as pessoas, ao se debruçarem na sacada para olhar para o túmulo do nível superior, se inclinassem em sua direção, simbolizando reverência.

Mesmo se esta não estiver sido a proposta intencional do posicionamento do túmulo na catedral, o fato é que esta é a história contada aos visitantes no lugar, o que se soma ao que a História conta sobre o ego de Napoleão. Imagino que você já tenha ouvido expressões como o “complexo de Napoleão”, para indicar excesso de confiança, senso de superioridade, ou, em outras palavras, usando um termo popularmente aplicado, um ego grande demais. A história revela decisões equivocadas, provocadas por seu excesso de confiança, mas, o que é mais crítico, também traz relatos dele mesmo sobre suas ações e realizações com visão distorcida. A sua interpretação dos fatos parecia comprometida.

Vou aprofundar um pouco este ponto, mas juro que este texto não é uma aula de História.

A investida militar contra a Rússia, a conhecida “marcha até Moscou”, é um exemplo dessa distorção. A campanha foi relatada por Napoleão como vitoriosa, quando, na verdade, ele perdeu quase meio milhão de soldados, mais de 75% só na viagem até Moscou, acometidos por doenças, frio, cansaço, e encontrou uma cidade abandonada e incendiada pelos próprios russos, para não permitir sua ocupação. Conclusão: Napoleão retornou a Paris com menos de 5% da tropa, sem comida ou suprimentos e sem derrotar o exército russo. E, de acordo com historiadores, acreditando no sucesso da campanha.

O ego cega.

O pior é que o ego está presente no nosso dia a dia, a começar por nós mesmos, e muitas vezes nos tira a capacidade de enxergar as coisas como verdadeiramente são, tornando-se a causa de situações e problemas que poderiam ser evitados.

O pior é que o ego está presente no nosso dia a dia, a começar por nós mesmos, e muitas vezes nos tira a capacidade de enxergar as coisas como verdadeiramente são, tornando-se a causa de situações e problemas que poderiam ser evitados.

O ego se sobressai fortemente em papéis de liderança. É muito fácil um líder se deixar cegar, se achar o dono da razão, porque ele tem muitas pessoas seguindo suas orientações, muitas vezes sem sequer questioná-lo, e à medida que sua posição se eleva na estrutura, menos pessoas têm acesso, ou mesmo coragem, para fazê-lo. Se ele não se colocar numa condição de questionar a si mesmo sempre e de incentivar oportunidades para testar sua visão, vai perder a conexão com a realidade.

O excesso de confiança distorce a percepção do risco e nos torna menos cautelosos, fragilizando controles, medidas de bloqueio e redundâncias, por consequência. E isso se manifesta desde situações simples, como falar sem pensar naquela reunião importante, como em ações mais complexas, como não ter um plano B, não ser criterioso na fase de testes de um produto ou não planejar contingências em um projeto importante.

Somente quando a gente mantém os pés no chão, reconhecendo que não sabe tudo e assumindo uma atitude de busca constante de aprendizado, consegue sufocar o ego.

A autoconfiança é importante, mas precisa ser acompanhada de outra soft skill: a humildade. Somente quando a gente mantém os pés no chão, reconhecendo que não sabe tudo e assumindo uma atitude de busca constante de aprendizado, consegue sufocar o ego.

Afinal, nada é perene. O mundo está em constante transformação, e cada vez mais rápida, então, alicerçar-se nas crenças e convicções do passado é uma âncora para o sucesso. A estratégia militar de Napoleão tinha sido bem-sucedida antes, mas isso não lhe garantiu o sucesso na investida contra a Rússia, porque as condições mudaram, mas ele não considerou.

A experiência e a estratégia do passado não garantem o sucesso no futuro. Sei que você já leu e ouviu isso inúmeras vezes, mas faço questão de repetir, porque a gente escuta, mas nem sempre prática. Muitas vezes as organizações demoram a antever as mudanças e quando enxergam que os tempos são outros, já não têm mais velocidade para ajustar a rota. Já vimos gigantes sumirem do mercado por conta disso.

É um perigo pensar que sua posição é inabalável. E para lutar contra isso, a gente precisa fazer um esforço grandioso, porque é muito cômodo fechar os olhos para o que está à frente e se deixar levar pelo sucesso atual. Isso vale para a construção da sua carreira, assim como vale para a sua atuação como líder.

No âmbito da sua carreira, se colocar na condição de eterno aprendiz é essencial, para manter a humildade de que você não sabe (nem saberá) tudo, e tudo bem.

No âmbito da sua carreira, se colocar na condição de eterno aprendiz é essencial, para manter a humildade de que você não sabe (nem saberá) tudo, e tudo bem. O mais importante é se manter aberto a buscar novos conhecimentos, a ouvir outras visões, a questionar suas convicções.

Na sua atuação como líder, fique atento às oportunidades. Lute contra a tendência – quase natural - de ignorar o novo. Sim, muitas ideias são ignoradas ou não recebem o foco que merecem, porque mudar não é fácil. A inércia é a zona de conforto. Mudar é pensar o novo, é quebrar o molde e reconstruir, e isso dá trabalho. Mas, afinal, não é para isso que estamos aqui?

É claro que a história fez jus aos grandes feitos de Napoleão, que ecoam nas narrativas do povo francês. E você? Está escrevendo sua história profissional deixando o seu passado ofuscar a construção do seu futuro? Ou com a humildade de que cada dia traz novas oportunidades de aprendizado para alicerçar essa construção?

Érica Saião para a coluna carreira

Encontre-a no Instagram: @erica_saiao