Imagine-se no seu ambiente de trabalho ouvindo todos os dias frases como essas: “Você é tão linda e tão competente. Nem parece que tem deficiência!” “Temos vagas para PCD’s”; “Eu com as duas pernas não entrego metade do que ela entrega”; “Promoção? Como assim? Você é da cota.”
Essas frases são as microagressões que, mesmo sem intenção, oprimem e causam sofrimento às pessoas com deficiência. Mais que isso. Elas fortalecem os estereótipos capacitistas em diferentes formas: desde uma suposta “preocupação” em poupar uma pessoa com deficiência de uma tarefa até a ideia de que sua presença se limita ao cumprimento de uma cota.
Elas são reais. Aconteceram de fato e são exemplos das opressões que as pessoas com deficiência recebem de várias pessoas no mesmo dia e no mesmo ambiente - no trabalho, na escola, na rua - fortalecendo inseguranças que começam no capacitismo estrutural que vem de casa e chega ao mercado de trabalho como mais uma barreira para o desenvolvimento pessoal e ascendência profissional.
Ainda que sem intenção é uma agressão que oprime. Imagine então, quantas vezes a mesma pessoa com deficiência enfrenta frases como essas em apenas um dia de trabalho ou em apenas algumas horas.
Os números do capacitismo
Esse “capacitismo disfarçado” de ‘EU TE AMO’ porque quer parecer protetor e cuidadoso é na verdade uma opressão que impacta a carreira da pessoa com deficiência. As estatísticas comprovam isso. Das cotas que as empresas devem cumprir como exige a Lei de Cotas – que completou 33 anos), apenas 49% estão ocupadas (segundo os dados do Ministério do Trabalho de 2021).
A pesquisa realizada pelo Instituto NOZ com mais de 3.700 pessoas com deficiência no país mostrou que, ainda que consigam uma oportunidade de trabalho, têm impacto no seu crescimento profissional. No estudo, 72% das pessoas com deficiência têm formação universitária completa, ainda assim, 60% das pessoas respondentes nunca foram promovidas e 59% nunca receberam aumento de salário. Não é falta de qualificação.
Só quando a gente perceber pessoas com deficiência crescendo em suas carreiras é que a gente vai ver - de fato - o processo de inclusão acontecendo.
Tudo isso traz uma certeza: o capacitismo – esse termo novo para um comportamento antigo e persistente – oprime com ou sem intenção é a principal barreira na carreira da pessoa com deficiência e entenda por quê:
O capacitismo inibe as capacidades das pessoas com deficiência:
O capacitismo atinge a autoestima das pessoas com deficiência e, como consequência causa o auto capacitismo
O capacitismo silencia a pessoa com deficiência
O capacitismo expurga a pessoa com deficiência
Diante disso, o que podemos fazer é desconstruir uma pessoa capacitista e reconstruir uma pessoa aliada da pessoa com deficiência. Para isso, indico quatro atitudes:
Assumir seu capacitismo: não existe capacitismo zero e é preciso aceitar que você está em desconstrução, porém sem se acomodar nessa justificativa. Buscar informação e manter-se na posição de humildade para esse aprendizado constante.
Promover a convivência de forma intencional: lembrar da intencionalidade. Convidar pessoas com deficiência do seu trabalho para aquele café. Temos travas espontâneas para não fazer isso. Identificar esses ‘desconfortos’ é o primeiro passo para superá-los.
Manter a autovigilância: ser aprendiz e estar sempre atenta para não reproduzir atitudes ultrapassadas.
Adotar postura anticapacitista: nem sempre podemos nos defender de atitudes capacitistas (piadas, apelidos, frases como aquelas citadas no início do texto), por isso precisamos de pessoas aliadas, sem deficiência e com energia para falar por nós nesses momentos, sem nos calar, acolhendo e nos encorajando.
O papel da pessoa aliada não é defender e muito menos negar a deficiência da pessoa. Dizer que alguém nem parece ter deficiência não é ser aliado. É ser capacitista. Essa frase reforça a ideia de que a deficiência desqualifica alguém para um trabalho ou qualquer outra iniciativa. Mais uma vez: com ou sem intenção o capacitismo oprime!
Para incluir use a palavra DICA: Disposição, Informação, Convivência e Atitude. É estar pronto para um investimento de tempo e de dinheiro, e para uma entrega emocional, para se desconstruir capacitista porque é nesse momento que você vai descobrir o quanto oprimiu pessoas com deficiência ao longo de sua vida. Talvez até vá tentar fugir desse aprendizado, o que vai fazer você cometer os mesmos erros. Mas, não desista da inclusão!
Continue com a disposição emocional para ser anticapacitista. É preciso repensar os padrões e lembrar que se a gente não acorda com a intenção de incluir a gente exclui consequentemente.
Carolina Ignarra para a coluna Corpos Sem Filtro
Encontre-a no Instagram: @caralinaignarra