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Amor Especial



Houve um tempo em que acreditei no amor. Era sempre aquela história montada na minha cabeça. Um encontro casual, a conversa fluindo, coincidências surgindo até a troca de contatos. Daí, em diante, o tempo resolvia tudo. Encontros e mais encontros para o corpo se ajustar aos carinhos recebidos durante a maratona do seriado favorito.


Parece que tudo se encaixa. As piadas parecem mais engraçadas, a música ganha outro significado após aquela chuva. O que dizer daquele bolo de cenoura? Melhor comida para se fazer as pazes…


Não seria o amor uma questão de fé? “Uma hora aparece”, é o que nos dizem para consolar o coração partido. Mas não é a melhor coisa de se ouvir quando a vida parece ter quebrado os ponteiros de seu relógio. Pelo menos, essa é a sensação que muitas mulheres com deficiência sentem ao serem sucessivamente rejeitadas em suas experiências afetivas.


Existem muitas formas de amor, que podem nos inspirar de diferentes maneiras, é claro. De todas elas, a romântica é a mais potente. Dela vem esse desejo de ter alguém para dividir momentos especiais, principalmente por causa da quantidade de estímulos recebidos para nutrir esse sentimento de falta. Uma ausência que, por sua vez, só poderá ser preenchida pela pessoa que fora idealizada.


Na maioria das vezes, para montar esse “ser especial” são escolhidas determinadas características bem comuns aos padrões sociais, repetindo as mesmas noções que alimentam vários tipos de preconceitos, como o capacitismo, por exemplo. Nas redes sociais é possível encontrar relatos de mulheres com deficiência que foram ignoradas em aplicativos de relacionamentos após relatarem ter algum tipo de deficiência. O famoso ghosting.

“Ainda hoje, com os aplicativos de relacionamento, quanto menos fotos na cadeira de rodas, maiores são as chances de ter algum match.”

É muito duro passar por isso. Já me aconteceu em várias ocasiões, quando frequentava salas de bate-papo no começo dos anos 2000. Na época, a conversa acontecia sem sabermos a fisionomia do outro, o interesse surgia por afinidade e se houvesse o desejo em manter o contato era feita a troca de e-mail para usar o msn. Ainda hoje, com os aplicativos de relacionamento, quanto menos fotos na cadeira de rodas, maiores são as chances de ter algum match. Creio que nem preciso dizer o que acontece se tiver fotos do corpo inteiro, né?

Leva-se um tempo para entender como as coisas funcionam. No começo, a frustração é grande demais para absorver. Rejeição é uma experiência dura, se for recorrente. Quero dizer, é comum não ter “a sorte de um amor tranquilo”, mas a oportunidade de continuar tentando está logo ali.


É comum ter algumas negativas, bem sei. Nem todo mundo vai ficar a fim de você.

Entretanto, e se não houver oportunidades? Eu sempre fico muito feliz quando vejo mulheres com deficiência em relacionamentos, sendo amadas e construindo laços saudáveis de confiança. Afinal, não seria esse o objetivo da nossa luta?


No começo do texto, comentei que houve um tempo em que acreditei no amor. Hoje, acredito que é preciso um tempo para se acreditar no amor. Vê-lo como uma ação. Algo que não vai ser de forma passiva como nos filmes, mas como um fluxo. O amor é uma luta e nos mantêm unidas em coletividade. Ele convida a olhar para dentro de si, preenchendo as lacunas de solidão com muita troca e cuidado. Porque no final das contas, não existe apenas uma forma de amar, quando se percebe que tudo na vida pode e deve ser construído com amor.


Fatine Oliveira para a Revista MS

Disponível nas colunas:

Universo feminino


Encontre-a no Instagram: @fatine.oliveira

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