Uma boneca. Foi assim que o mundo tratou a menina de pele alva, cabelo loiro e sorriso ingênuo, que havia nascido em uma família simples no subúrbio do Rio de Janeiro. Essa menina linda de 10 anos, que ainda era desajeitada e insegura, teve que aprender a coordenar seus movimentos e a viver uma história de personagem de contos de fadas, da noite para o dia. Só não a avisaram que a vida real não é nem nunca foi, um “conto de fadas”. Ana Paula Almeida entrou para o cobiçado time de assistentes de palco da Xuxa, um ícone da televisão brasileira na época, e tornou-se a paquita que levava no nome o apelido de “boneca”, era ela, a “Pituxa Bonequinha”.
Com apenas 18 anos a pequena boneca já havia conseguido comprar apartamento, carro e trazer uma melhor qualidade de vida para sua família. O lado ruim disso tudo era a distância que sentia de todos, a falta que um colo fazia, nos momentos em que o assédio invadia seu espaço sagrado, aquele de menina inocente, cercada por olhares famintos pelas suas formas joviais e seu rosto de “boneca de cera”.
“Ana Paula Almeida (…) tornou-se a paquita que levava no nome o apelido de “boneca”, era ela, a “Pituxa Bonequinha”.
Com o tempo, aprendeu a falar e se portar como uma mulher adulta. Casou-se e teve seu filho em uma relação conturbada, que terminou com profundas sequelas emocionais e marcas visíveis expostas em seu corpo machucado por algo que nossa sociedade só começou a falar mais recentemente: o abuso psicológico. Ana Paula aguentou o que pôde para manter sua narrativa de “boa menina” durante todo o tempo em que fez o que o mundo esperava que ela fizesse: que dançasse bem a música que tocavam para a Bonequinha. Foi resiliente e compassiva em todos os momentos em que sua voz buscava destacar-se; aceitou seu lugar na imensidão do silêncio que a impedia de sair às ruas e gritar por respeito. Ela já não se reconhecia dentro de si e só o que conseguia enxergar eram as cicatrizes que carregava em sua alma de artista.
Seu público fiel se manteve ao lado dela e foi ele quem muitas vezes a chamou de volta para o palco, no lugar de protagonista da sua própria narrativa. E seguindo o conselho do seu psicólogo, Ana Paula resolveu guardar sua bonequinha dentro de um lugar muito especial, um que conservava sua inocência e a leveza de alma que traz consigo, para dar lugar a uma mulher obstinada pela sua verdade.
“Seu público fiel se manteve ao lado dela e foi ele quem muitas vezes a chamou de volta para o palco, no lugar de protagonista da sua própria narrativa.”
Resgatou aquela Ana Paula que aprendeu a coreografia da vida, que conquistou sua segurança financeira em um momento em que meninas da sua idade ainda estavam saindo do colégio e que se tornou destaque em um enredo de várias outras colegas tão talentosas quanto ela.
Ana Paula Almeida buscou seu brilho e deu a volta por cima. Empreendeu no ramo da estética com a abertura de uma clínica, participou de dois realities, virou escritora e conquistou novamente sua independência financeira.
Hoje, a nossa bonequinha possui um outro semblante: o de uma mãe orgulhosa do seu filho bem-criado, de uma empresária de sucesso e de uma mulher que dança as músicas que escolhe, com seu próprio repertório e no seu palco.
MS – Como foi iniciar a carreira tão nova? Que aprendizados você trouxe dessa experiência?
Quando eu olho para trás, fico pensando por que mesmo depois de 30 anos, as pessoas ainda choram quando me veem…quando faço uma live, ou um TBT. É gente do Brasil e do mundo, muitas pessoas da Europa e Estados Unidos e eu acredito que eu fui um exemplo quando era pequena, uma menina que só queria brincar…porque quando a gente estava lá, queríamos ser a Xuxa, toda Paquita queria ser. Queríamos ser Paquitas para estar perto da Xuxa, ser a Xuxa.
Acho que os fãs assistiam ao programa e se identificavam comigo, porque além de eu querer parecer com a Xuxa e querer fazer tudo que ela fazia, eles falavam que eu tinha um carisma e a Xuxa me chamava de bonequinha.
MS – E de onde surgiu esse apelido?
Quando eu entrei, não sabia que ia entrar. Ela até conta isso em um vídeo. “Eu te menti, eu disse que vinha uma outra pessoa para competir com você de São Paulo”.
Eu competi com 20 meninas e minha família inteira ficou lá no estúdio porque havia essa outra menina de São Paulo que vinha para competir comigo e só uma de nós seria a finalista. Só que se passaram cinco programas e a menina não veio. Minha família foi embora e só ficou minha mãe, que sempre esteve presente, porque a Marlene exigia que o responsável ficasse com a gente. E aí no último bloco do programa, no desfile, a Xuxa falou: “A gente mentiu, mas hoje a gente vai chamar a nossa Pituxita, que vai substituir a nossa Pituxa” e ela veio com o chapéu de Paquita e eu já subi chorando e ela disse “Gente, olha como ela é linda, nem chorando ela fica feia, parece uma boneca” E aí surgiu a bonequinha. Ela sempre falava “Vem bonequinha, vem Aninha” sempre com muito carinho comigo.
Eu costumo dizer que o amor que a Xuxa tem pela minha vida, é um amor de outra vida, se existe, porque é um carinho muito grande.
MS – Ana Paula, na sua trajetória profissional você sempre foi muito lembrada pelo papel emblemático que desempenhou ao lado de um ícone, a Xuxa. A associação com esse trabalho te incomoda?
Não, pelo contrário. Eu sou muito honrada, sou muito feliz por ter tido a minha história por que era um sonho. E hoje em dia, com 44 anos eu sou exemplo de que sonhos podem se realizar e podem mudar vidas.
Eu mudei a minha, da minha família… e, além disso, eu vivi uma história linda! Eu conheci países, eu vivi com uma mulher que me ensinou muita coisa… Duas mulheres muito fortes, tanto ela quanto a Marlene Mattos foram duas pessoas muito importantes para a minha vida, onde me ensinaram muita coisa para a minha personalidade hoje, disciplina, autonomia… muita coisa da profissão, nós tínhamos aula de muita coisa, então eu sou muito grata e muito feliz com tudo que eu vivi.
A Xuxa sempre me ensinou tudo que ela sempre fez, de alimentação de passar creme e eu trago isso até hoje, eu me lambuzo de creme para dormir. Eu como coisas saudáveis e eu gosto de falar com as mãos que nem ela, falo com os dentes meio presos …eu acho que eu aprendi tanto a falar como ela que hoje eu sou assim.
MS – Como você avalia as suas relações amorosas até esse momento? Você sempre se entregou completamente ao amor?
Gente, eu acho que sou uma pessoa que tem que ser estudada! Rs.
Porque eu comecei muito tarde com as relações amorosas… minha mãe sonhava que eu fosse igual a ela, casasse virgem, tivesse aquele “único amor”… e eu levei isso até onde eu consegui, até os vinte e cinco anos!
Mas o meu primeiro namorado foi uma pessoa muito polêmica, porque era um jogador de futebol de muito nome… Mas eu posso dizer que todas as minhas relações amorosas foram saudáveis, foram relações em que eu fui muito feliz, que me somaram…. em que eu tive grandes aventuras. Até que eu a última não foi, mas também foi um grande aprendizado.
MS – Qual é a sua opinião sobre relacionamentos abusivos?
Relacionamento abusivo vem sorrateiro, vem através de uma humilhação, através de uma crítica, através de, “sabe aquela coisa…você não sabe fazer”, “você está gorda”, “você é vagabunda”, até xingamentos.
Então eu quero deixar aqui um alerta, se você vê que sua amiga, seu familiar, sua irmã, quem seja está vivendo um relacionamento abusivo, ajuda! Tenta trazer ela para quem ela era antes!
Esse é o grande erro de nós mulheres, achar que nós vamos mudar o outro. Achar que o outro vai mudar por amor. A gente não vai mudar ninguém. Ninguém muda se não quiser. Ele não muda se não entender que precisa mudar e que o problema está com ele, porque o abusador acha que ele está sempre certo. Que a cartilha dele tem que ser lida e que a forma que ele faz, tem que ser respeitada. Isso é um erro.
Uma coisa muito importante de quem vive em uma relação abusiva, é que ela se molda ao outro, ela quer agradar o outro. Ela acha valor no que o outro diz ser valor. Então vamos dizer assim: se ela acha que sair com as amigas é bem legal e o outro fala que é feio porque é desonroso, porque vão falar dela… Ela muda de ideia e acha que já é desonroso. Ela vai fazer o que o outro quer. Então começa a mudar a roupa e por aí vai.
MS – De onde vem sua força para superar todos os obstáculos?
Uma coisa que mexe com algumas mulheres… Acho que quando você tem um filho e sofre abuso financeiro, quando você tem uma relação onde precisa do outro financeiramente e você rompe essa relação, vai para a rua trabalhar em dois empregos pra poder sustentar esse filho, essa força vem porque você sabe que uma criança precisa ter orgulho de uma mãe e que ela não depende de outro para ser feliz e para cria-lo.
Então a minha força não vem só do meu filho, mas saber que você precisa ser alguém melhor para o seu filho, vem de Deus. Eu acho que quando você tem fé, (você pode escolher várias maneiras de se alimentar de Deus, eu sou evangélica), você vê que Deus nos dá caminhos na Bíblia. E vê que pessoas que passaram o mesmo que nós, foram vitoriosos.
Então eu escolho esses exemplos para falar “Perái, se Deus criou o Universo, se Deus criou o mundo, ele fez com que eu pudesse receber o melhor, porque eu vou aceitar as migalhas do outro, achando que são Maná? Eu quero o Maná! Eu quero estar na mesa, recebendo o melhor. Eu não vou mais aceitar migalhas. Então acho que é isso eu quero passar para vocês. Não aceitem migalhas como se fosse o melhor de Deus porque não é isso que Deus quer. Deus quer o melhor para você.
MS – Qual o recado que gostaria de dar as mulheres?
A melhor coisa que eu possa passar para vocês com meus 44 anos é a superação.
É você não entender não como não. Porque se eu fosse paralisar com os meus nãos, eu não teria saído do subúrbio, lá de Vista Alegre. Eu pegava três ônibus, sentava em cima do motor do ônibus porque não tinha espaço para mim. Voltava às três da manhã. As Paquitas na época, era a maior competição. E todas elas tinham olhos azuis. Eu não era uma beleza que deslumbrava.
Eu era gordinha, Marlene me disse “Se você quiser ser Paquita, você tem que emagrecer” porque eu tinha aquela barriguinha de uma criança. Mas emagreci. Eu era descoordenada, não sabia dançar. As paquitas iam para um lado e eu pra outro. Elas levantavam o braço e eu abaixava. Não sabia nem qual era a coreografia e mesmo assim fui eu a escolhida.
Olha, eu não vou mentir para vocês, eu não dormia, eu botava livros na cabeça, escutava walkmen, fiz minha mãe comprar um espelho e dançava na frente dele, até cansar. Colocava as bonecas para fingir que eram pessoas e falava a mesma coisa dez vezes, para aprender a falar bem nas câmeras. Então você não pode perceber um desafio e achar muito longe de você. Ele sempre vai ser muito longe de você porque sempre vão ter pessoas melhores que você. Então, você tem que ser melhor. Tem que treinar e se desafiar o tempo todo. Eu acredito que essa é a chave da vida, porque se você não se desafia, se você não quer ser melhor, você vai morrer.
A procrastinação é isso! Você desistir de você e desistir de ser melhor a cada dia. Não para o outro, para você!
Já pensou quando tiver 70 anos? E olhar para trás e dizer “gente, olha a minha história…Fui uma boa pessoa para o meu filho, para minha mãe, fui uma pessoa boa para tanta gente…” até no escritório fui a diferença, fazia bem para os outros.
Espero que seja isso que a Maria Scarlet passe para você, através de exemplos de mulheres.
Que você possa se ver bem daqui a cinco ou dez anos. Levante e faça hoje, porque amanhã pode ser tarde.