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Chega de ser carregada!


O que você sentiria se embarcasse carregada ou carregado em um avião lotado? Foi exatamente isso que aconteceu comigo há bem pouco tempo. Eu, uma mulher cadeirante de mais de 40 anos, voltando de uma viagem com minha filha de 16 anos, fui carregada para a 8ª fileira de um avião com mais de 180 pessoas embarcadas, mesmo com leis obrigando a disponibilização de poltronas mais acessíveis para pessoas com dificuldade de locomoção. Sempre reforço o quanto a sociedade precisa avançar nas questões de Diversidade, Equidade e Inclusão. Quando vivencio experiências assim, sinto o quanto ainda temos para evoluir para uma sociedade verdadeiramente inclusiva.


Nesse voo com minha filha adolescente, percebi isso quando, mais uma vez, fui carregada no colo pela tripulação até o assento da aeronave. Comprei as passagens com um mês de antecedência e preenchi um formulário – oferecido pela companhia aérea – apontando minha deficiência e impossibilidade de caminhar. Imagino que a partir desse apontamento, eu e minha acompanhante, já deveríamos estar com nossas poltronas reservadas nos assentos mais acessíveis.


É importante reforçar que eu escolhi a empresa aérea com mais “acessibilidade”, pois a maioria das aeronaves dessa empresa têm espaços amplos para eu chegar nas poltronas da 1ª fileira com a minha própria cadeira, faço a transferência sozinha e não leva mais que dois minutos para isso acontecer. Caso as seis primeiras poltronas da primeira fileira do avião estejam ocupadas por outras pessoas com prioridades estabelecidas por lei, na aeronave existe uma cadeira de bordo, que eu poderia utilizar para ser conduzida até outra fileira, com dignidade e sem precisar ser carregada.


Nosso voo era de Maceió para São Paulo, com escala em Salvador. Em Maceió já fizemos os check-in para os dois trechos. Para o trecho Maceió – Salvador estava tudo certo, mas para o trecho Salvador – São Paulo, estávamos marcadas na fileira trinta e dois. Eu pedi para a atendente refazer e nos colocar na fileira um, mas ela disse que na porta da aeronave isso seria resolvido.

Na conexão em Salvador, passei pelo check-in novamente e a atendente conseguiu dois assentos “melhores” (bem entre aspas), nas fileiras 4 e 5, mas eu preciso viajar ao lado da minha filha e, mais uma vez, a atendente garantiu que na aeronave isso seria resolvido.

Chegando no avião – que já estava com todos os passageiros embarcados – recebi a informação que as fileiras da frente estavam ocupadas por outras prioridades. Até que o atendente de solo voltou dizendo que conseguiriam nos colocar juntas na fileira oito. Estávamos em cima da hora, eu achei melhor aceitar.


Notei que as seis poltronas da frente de fato estavam ocupadas, duas delas por um homem tetraplégico e sua acompanhante, os demais assentos por pessoas que aparentemente não tinham nenhuma deficiência ou necessidade específica. No desembarque isso se confirmou, pois todos saíram andando, com independência e sem nenhuma dificuldade.

Resolvi não insistir em usar as poltronas da primeira fileira quando embarquei, cheguei a pedir a cadeira de bordo, mas para agilizar os atendentes da empresa ofereceram-me carregar nos braços para a poltrona da fileira oito. Eu topei! Na hora achei que eu iria causar muito exigindo a cadeira de bordo e permiti que eles me carregassem. Fui sorrindo, brincando com os meninos que me carregavam, mas lá na poltrona oito percebi como toda situação foi constrangedora, não apenas para mim, mas também para minha filha. Eu não fui carregada sozinha! Eu fui carregada com ela, minha filha foi exposta comigo. O rapaz tetraplégico foi exposto comigo. A população com deficiência inteira foi exposta comigo!

No calor do momento, eu não consegui calcular que o peso da exposição de ser carregada era maior. Só quando escrevi esse texto como desabafo, entendi que a minha simpatia, sorriso e brincadeiras ao ser carregada era uma defesa à opressão que eu estava passando.


A população com deficiência inteira foi exposta comigo!

Eu atuo para colaborar com o desenvolvimento de uma sociedade culturalmente mais inclusiva, esse é o meu trabalho como CEO do Grupo Talento Incluir. Nessa posição, tive algumas chances de estar em evidência, o que sempre entendi como oportunidade para a sociedade me perceber e consequentemente valorizar potencial em todas as pessoas com deficiência. Em Diversidade e Inclusão chamamos isso de representatividade!


O contrário ocorre, quando sou exposta a situações que me diminuem, essa representatividade continua existindo, mas de forma negativa, fortalecendo os rótulos que incapacitam, invisibilizam e invalidam todas as pessoas com deficiência.

Estamos parando de nos esconder, saindo de casa, circulando, temos direitos conquistados, mas que ainda são negligenciados. O meu desabafo é para que minha existência seja considerada, para isso que preenchi o tal formulário ao comprar a passagem.


A cadeira de bordo já existe, é regra da ANAC. A quebra da barreira arquitetônica estava ali, já existe a solução, o que faltou foi acessibilidade atitudinal. Os colaboradores da companhia aérea estavam perdidos, sem saber se atendiam o tempo do avião em solo e os clientes que pagaram por um assento conforto na primeira fileira ou se me davam dignidade! Faltou diretriz inclusiva, clara, convicta da liderança da empresa para seus colaboradores.


A jornada para uma empresa ser inclusiva é longa e precisa de disposição. Empresas que não avançarem em cultura de Diversidade, Equidade e Inclusão não conseguirão sobreviver num futuro logo ali.


Carolina Ignarra para a coluna Corpos Sem Filtro

Carolina Ignarra é CEO e sócia fundadora do Grupo Talento Incluir, ecossistema que reúne 4 negócios sociais: Talento Incluir, Talento Sênior, UinHub e UinStock.

Está entre as 20 mulheres mais poderosas do Brasil, eleita pela revista Forbes em 2020. Em 2018, foi eleita a melhor profissional de Diversidade do Brasil segundo a revista Veja.


Encontre-a no Instagram: @carolinaignarra


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