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Das coisas que não contamos pra ninguém



Ainda hoje, me vejo acordando pela noite, com aquele barulho desesperador...


Era um dia qualquer, já pós pandemia, estava na casa dos meus pais, ainda me adaptando ao Home Office, trabalhando, enquanto minha mãe guardava a comida do almoço e meu pai, descansava no sofá da sala.


Ouvi um barulho inexplicável, mas ao mesmo tempo, desesperador. Saí de imediato do quarto para ver o que havia acontecido e vi minha mãe olhando pela janela, em choque. A chamei, perguntei o que havia acontecido e ela desesperadamente disse: “A menina, pelo amor de Deus! A menina, deve ter a sua idade, está no chão...” coloquei minha mãe no sofá na tentativa de acalmá-la e de imediato pedi que meu pai ligasse para o SAMU, polícia e corpo de bombeiros. Mas ele, que olhou pela janela após o discurso da minha mãe, também ficou meio sem reação. Tive eu que reagir e fazer as ligações.


Enquanto ligava, ouvi uma pessoa que parecia ser seu marido, encontrar o corpo e desesperadamente gritar, “Eu avisei que ela não podia ficar sozinha, quero meu filho de volta” e chorava compulsivamente. Foi aí que o desespero ainda maior bateu, pois além da garota de cerca de 30 anos ter pulado de um prédio, levou junto o bebê de poucos meses... E, infelizmente, eu também olhei, e confesso que não quero descrever o que vi e como vi, mas, foi a pior cena que vi na minha vida. Eu tive um mix de um sentimento nunca antes sentido, de medo, de angústia, de pena, de compaixão, de desespero, de raiva, de tudo, com muita intensidade.


Não tinha como não questionar. Nem vendo o desespero dos meus pais, que não a conhecia, conseguia imaginar o desespero dessa família. Apesar de muito ouvir falar, de estudar, nunca imaginei presenciar essa situação. Meus questionamentos ali eram, o que leva uma pessoa a tirar a própria vida? E levar a vida do próprio filho? Que dor é essa? Uma dor na alma? E, acredito que a pessoa não quer tirar a própria vida, ela quer tirar essa dor, essa dor na alma.


Segundo a OMS, no relatório “Suicide worldwide in 2019”, o suicídio é uma das principais causas de morte em todo o mundo. Em 2019, mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio, o que equivale a 1% das mortes, ou seja, uma em cada 100 mortes são causadas por suicídio. E, ainda segundo a OMS, cerca de 98% dos casos de suicídio estão ligados a transtornos mentais, principalmente a depressão. Com a pandemia, esse número vem aumentando, principalmente entre os jovens de 15 a 29 anos, que hoje já é a quarta causa de morte, depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.


Segundo Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, cada suicídio é uma tragédia e, para que seja evitado, nossa atenção deve se voltar à prevenção.. Ainda mais importante agora, depois de muitos meses convivendo com a pandemia de COVID-19, com o agravamento de muitos dos fatores de risco para suicídio tais como perda de emprego, estresse financeiro e isolamento social.


Como apoio aos países para essa prevenção do suicídio, a OMS lançou uma orientação para a prevenção do suicídio, o “Live Life”, que se baseia em 4 estratégias principais:

  • Limitar o acesso aos métodos de suicídio, (medicamentos, armas de fogo, venenos)

  • Educação da mídia para a cobertura responsável do suicídio (percebem que no Brasil a mídia praticamente não expõe casos de suicídio? Isso tem um propósito por trás);

  • Estimular habilidades socioemocionais aos adolescentes;

  • identificação precoce, avaliação, gestão e acompanhamento de qualquer pessoa afetada por pensamentos e comportamentos suicidas. (fique sempre atento às pessoas ao seu redor e busque a ajuda de um profissional, sempre)

Não dá mais para ignorar o suicídio, não dá mais para enxergá-lo como “mimimi”! Cada tentativa, cada desabafo é um sinal desesperado de alguém pedindo ajuda para aliviar uma dor da alma que remédio nenhum é capaz de tirar. E a responsabilidade disso é nossa! Cada um tem um papel importante de enxergar as pessoas para apoiá-las e buscar ajuda de um profissional, sempre que necessário, sem vergonha, sem achar que é frescura. Saúde Mental é coisa séria, cuide bem dela!


E desde aquela tarde, resisto em me aproximar daquela janela, porque ainda hoje me vejo acordando com aquele barulho desesperador.


Mari Belo para a coluna Universo Feminino

Encontre-a no Instagram: @maricfbelo

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