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Grisalha ou não, eis a questão



Uso meus cabelos grisalhos naturais há 18 anos. Imaginem: início dos anos 2000, cabelo branco em mulher não era nem assunto a ser debatido… Muito poucas deixavam seus branquinhos, e eram na maioria artistas, fora do mainstream, claro. Já eu era executiva de uma grande empresa, onde as mulheres começavam a buscar um protagonismo em suas carreiras. Para isso, o melhor caminho parecia ser se adaptar ao mundo machista, para aos poucos ir conquistando um espaço de ação feminino. Aí eu vou e faço o que? Começo a ficar grisalha e, para espanto de todos, não tinjo. 


Tive o apoio inestimável do meu chefe, mentor e amigo, homem mais feminista que conheci; e as críticas mais contundentes da minha melhor amiga e braço direito no trabalho. Sim, uma mulher! E, em casa, minha filha também era implacável: “minha mãe parece minha avó, e minha avó parece minha mãe!” A avó em questão, minha mãezinha, ficou entre o apoio e a  crítica, afinal ela tingia os cabelos desde muito nova (e eu tingia pra ela em casa, pensa numa coisa chata de fazer) e sabia na pele como é trabalhoso e caro. Mas aí ela vinha com alguma coisa que uma amiga falou, tipo: cabelo branco envelhece. Eu rebatia: o que envelhece é o passar dos anos…  E fim de papo!


Em 2009, me mudei para uma cidade (Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia) onde eu era a única – repito: única! – mulher com cabelos brancos. No começo, tranquilo, o pessoal olhava estranho, não falava nada, e vida que segue. Até que eu percebi que eu estava sendo stalkeada pela cidade inteira! Era o “show de Truman”, sabe? Eu não estava no Orkut, a rede social da época, mas todo mundo sabia o que eu tinha feito no final de semana… Fiquei incomodada, e resolvi passar shampoo tonalizante. 


Gente, virei trend topic nas rodas de fofocas da cidade! Devem ter feito aposta e tudo pra descobrir porque eu não pintava o cabelo antes… Pessoas que eu mal conhecia vinham sondar: “estava pagando promessa?” “seu marido pediu pra você tingir?” “Ué, mas você não era alérgica à tintura?”. Ninguém, mas ninguém mesmo, cogitou que eu usava o cabelo grisalho porque que-ri-a! Eu queria usar, depois não queria mais, simples assim. Como assim, a mulher tem vontade de fazer alguma coisa, vai lá e faz? Com seu próprio corpo? (contém ironia)


Mas bem, agora que o cabelo branco tá na moda, nos deparamos com outra questão. Agora a cobrança é para que as mulheres grisalhas que tingem deixem de pintar seus cabelos, sob pena de não serem consideradas “autenticas”, ou de precisarem enfrentar tabus para dar satisfação à sociedade, algo do gênero, como se a gente tivesse que estar antenada sempre com a moda do momento. Pelamor, deixa cada uma fazer o que quiser! Se não se sente bem com cabelo branco, seja por que motivo for, não usa! Vira a ditadura da moda, chato isso! Se não fosse eu gostar tanto dos meus branquinhos invictos, ia era pintar o cabelo de acaju (adoro essa cor), só pra contrariar! 


O bonito é o que a gente faz com a liberdade que tem. E assumir as consequências. Sofri muito preconceito no mundo corporativo por ter coragem de ser grisalha. Retaliações por parte de mulheres, na maioria das vezes, por incrível que pareça. Por quê? Eu só queria entender, mas estes obstáculos não mudaram em nada minha convicção do que eu queria ser e fazer com minha liberdade de escolha. Como dizia Mario Quintana: “Esses que aí estão/atravancando o meu caminho/eles passarão/Eu passarinho”


Voe alto, amiga!


Ana Lúcia Leitão para a coluna 50+

Encontre-a no Instagram @aninhaleitao2

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