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Penélope Distraída


Tantas vezes procurei no fundo o que estava bem à vista, na margem mais acessível. Tantas vezes quis alcançar o éden do prazer, aquele que exprime o melhor momento de toda uma vida, como orgasmos múltiplos entoados em um mesmo ritmo, e acabei descobrindo, quase sem querer, que ele sempre esteve aqui, no aconchego do meu lar… Tantas vezes quis o seu toque, o toque do amor da minha juventude, que havia sido borrado com a névoa das lembranças distantes, até o dia em que vi uma foto sua e me espantei como aquele olhar já não conversava com a minha alma inquieta por desejos obscenos e proibidos. Vi-me indecente diante da sua vida puritana e simples; vi-me complexa demais para me encaixar na sua rotina exaustivamente entediante, e, por fim, vi-me madura o suficiente para encontrar razões para buscar um outro toque, de um outro alguém mais acessível e mais meu. Tantas, mas tantas vezes, quis ser o centro das atenções de outros, quando na verdade, a atenção que eu mais precisava buscar era a minha própria; o olhar cuidadoso que me fazia falta quando não estava prestando atenção nas pequenas dores que meu corpo acusava: eram elas que me diziam o que eu me recusava a escutar, e quando parei para ouví-las, já era tão tarde que preferi fumar só mais um cigarro, só mais um… Hoje visto minhas roupas com mais vontade de usá-las, aproveito a música que toca incessantemente no meu aparelho de cinco polegadas e imagino que o mundo é mesmo muito intenso para uma vida de apenas algumas décadas fortuitas… quero sempre mais da vida que ganhei sem esforço, embora saiba que não posso pleitear mais do que o que está reservado para mim, na curta jornada que encaramos toda vez que nos olhamos no reflexo de um espelho qualquer. Tantas vezes quis ser o que não era, ter o que não tinha e fazer o que jamais faria, que desperdicei uma grande oportunidade de aproveitar a vida que eu tinha, aquela que não era tão colorida, mas que tinha a luz mais real para o meu tom de pele… E agora, escolho melhor o vinho para me acompanhar toda a noite, ao lado dos meus. E são eles que enaltecem meu orgulho e fazem meu coração transbordar de alegria  toda vez que escuto suas declarações com a verdade de que sou e que fui “suficiente”. Fui! (Fazer as pazes com meus desejos não-realizados…)

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