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- Meu cabelo enrolado
“Meu cabelo enrolado... Todos querem imitar…” Perdi a conta de quantas vezes já cantei nas festas essa canção do compositor Macau, que se tornou sucesso na voz de Sandra de Sá. Em todas as vezes, um senso de pertencimento, orgulho negro, me invade. Essa música fala o que sempre quisemos entoar. “A verdade é que você (todo brasileiro tem!) Tem sangue criolo…” Pena que nem sempre foi com essa energia positiva que essa canção me envolveu… Lembro das vezes em que passava e ouvia a canção, de bocas supostamente brancas, quase como um sussurro e cheia de risadinhas: “Sarará criolo… sarará criolo” Na minha infância, morava num conjunto residencial para militares da Marinha, e é incrível como havia poucas crianças negras. De quase 400 apartamentos, eu só consigo me recordar de 4 famílias negras na minha infância residindo lá – uma delas era a minha. Minha irmã era a legítima sarará, pele mais clara, cabelo claro, olhos verdes. Eu era a negra da família. Éramos três as meninas negras da mesma faixa etária. Uma recebeu o apelido de “Cunhã” (inspirado na personagem do quadro Painho, do Chico Anysio), a outra de Elaine Neguinha (nome verdadeiro trocado por Elaine) e eu, que era simplesmente Érica. Talvez porque a minha pele fosse levemente mais clara que as das colegas. Mas todas nós ouvimos a canção entre os colegas, em tom de chacota: “Sarará criolo…” “Vocês podem considerar ridículo o que vou falar, mas eu sinto que se eu não tivesse alisado meu cabelo, não teria aberto espaço nas mesas prioritariamente masculinas e brancas e ascendido a posições gerenciais” Minha mãe desde cedo “domava” nossos cabelos com henê. Era cultural na nossa família. Chegava na casa das minhas tias e elas olhavam o meu cabelo e por vezes diziam: “tá na hora de retocar o henê, hein”. Isso mortificava a minha mãe, pois parecia sinal de desleixo, mas só ela sabia o estresse que era para me convencer que era dia do henê. Eu tive um cabelo alisado na altura da cintura. Era tão bem cuidado com henê e touca (uma forma de alisar o cabelo prendendo com grampos em torno da cabeça) que ganhei novo status: “parece índia”. Minha negritude era “camuflada” com um cabelo comprido alisado e uma descendência indígena também verdadeira. Aos 10 anos, depois de muito implorar à minha mãe, cortei o cabelo na altura do ombro. Pra mim, foi uma libertação. O passo seguinte foi não passar mais henê – naquela época, as marcas tinham cheiro forte, que era sentido por dias. Mas a touca continuou até o final do ensino médio. Ali eu decidi que ia assumir meus cachos e passei a me sentir livre! Até que, após a faculdade, ingressei no ambiente corporativo, numa grande empresa. Ninguém me disse nada (nem poderia), mas eu sentia um quê de inadequação. E não era por ser minoria na empresa majoritariamente branca. Na minha turma na faculdade, em todos os semestres, eu era a única negra e isso nunca me incomodou. A questão é que ali parecia que eu não estava devidamente “enquadrada” no visual da corporação. Naquela época, todos os gerentes (e a maioria era masculina) usavam ternos. As mulheres aderiam principalmente aos terninhos. Cabelos sempre “bem-comportados”, escovados. Meus cachos davam um movimento que não combinava com a apresentação. Até que fiz uma escova, para ter um look diferente num evento. Foi impressionante como fui notada. Como fui elogiada, não só por homens, mas também por mulheres. Ouvi de novo: “Nossa! Parece cabelo de índia!” Meus cachos no trabalho se tornaram cada vez mais raros. Até que a escova progressiva chegou para facilitar o processo. Vocês podem considerar ridículo o que vou falar – e realmente é -, mas eu sinto que se eu não tivesse alisado meu cabelo, não teria aberto espaço nas mesas prioritariamente masculinas e brancas e ascendido a posições gerenciais (pelo menos no mesmo ritmo). Só depois que eu minimizei o impacto da diferença, que eu consegui espaço para compartilhar ideias, para ouvir e ser ouvida. Estamos falando de um cenário do início do milênio. Já evoluímos bastante (graças a Deus!). Cabelo deixou de ser uma questão, mas há outras em pauta atualmente. A própria importância da pauta sobre diversidade evidencia que ainda estamos longe de um ambiente de equidade, em que as pessoas não precisem se enquadrar ou camuflar, e sim, que as diferenças sejam valorizadas e vistas como fator impulsionador do desenvolvimento. Nossa atitude é alicerçada nos fundamentos que nos formam, mesmo as mais simples, como cabelo ou forma de se vestir. Tolher as pessoas de se revelar por inteiro é impedir que sejam respeitadas em sua plenitude e complexidade. Fiquemos atentos aos novos símbolos para combatermos todos os sinais de enquadramento silencioso. Obviamente, meu cabelo agora depende de como eu quero me apresentar. Sem pressão, sem uma “aura” no ambiente. Mas preciso confessar que fiquei sequelada, porque ainda me apresento majoritariamente em momentos profissionais relevantes com o cabelo escovado. Não envolve fatores externos, mas se tornou uma necessidade para mim. A gente se adapta na vida e eu passei a me sentir mais “eu profissional” assim. De tantas sequelas possíveis por aí, esta é fácil de administrar. Que não estejamos criando outras mais traumáticas. Érica Saião para as colunas Várias Vozes e Carreira Encontre-a no Instagram @erica_saiao
- Como é viajar sendo Gorda
Eu adoro viajar. Amo conhecer novas culturas, viver experiências diferentes, sair da rotina e me deixar surpreender. Dia desses estava conversando com uma amiga justamente sobre viagens e o nosso papo acabou revelando para ela algo que nunca passou pela sua cabeça, simplesmente por ser magra e por viver em um mundo que foi moldado para ela. Ela estava me contando sobre sua experiência em uma nova atração do parque de diversões da Universal e logo eu perguntei: “mas eu poderia ir ao brinquedo?” Ela não entendeu o meu questionamento, então expliquei: “não tive uma experiência boa nos parques da Universal, a maioria dos brinquedos tinha uma trava de segurança que não fechava em mim.” E de repente foi como se um mundo completamente novo se abrisse diante dos olhos dela. Ela nunca havia parado para pensar no simples fato de ter que se preocupar com caber ou não em um brinquedo, muito menos todas as outras complexidades envolvidas. Ser uma pessoa gorda que gosta de viajar traz suas próprias questões e ansiedades. Na hora de comprar passagem, por exemplo, nem sempre eu posso comprar a mais barata. As poltronas dos aviões estão cada vez menores e dependendo da duração do voo, eu preciso me certificar de que vou caber no assento sem passar por grandes sufocos. Ficar confortável na classe econômica é impossível para mim, mas em algumas companhias aéreas eu consigo ter uma experiência menos pior. Chegando no avião, preciso me dirigir à aeromoça e pedir um extensor de cinto, pois a grande maioria não cabe em mim (inclusive, não tenha medo ou vergonha de pedir um extensor de cinto caso precise; é seu direito e as companhias são obrigadas a ter! Viajar com segurança é direito de todes.) Outra preocupação que me acompanha é em relação ao transporte público. Na minha cidade (Niterói - RJ), por exemplo, eu quase nunca pego ônibus. As catracas são apertadas e depois de ficar presa em uma, a simples ideia de ter que pegar um ônibus me deixa em pânico. Essa experiência não acontece nos ônibus de Buenos Aires, por exemplo. Por lá, os ônibus não têm catraca. Você entra pela porta da frente, informa o seu destino para o motorista, faz o pagamento da passagem e escolhe seu assento em seguida. Buenos Aires é uma das minhas cidades favoritas no mundo e andar de ônibus pela cidade pode parecer algo simples e bobo, mas eu simplesmente amo! Poder passear pela cidade de um canto a outro gastando pouco é, ao meu ver, um privilégio do qual eu não consigo desfrutar no meu próprio estado. Outras experiências comuns em viagens como montanha russa e esportes radicais também costumam ter limite de peso! Quando visitei o parque aquático (também da Universal) em Orlando, fui barrada pouco antes de descer um tobogã (depois de ficar mais de uma hora na fila!) por exceder o limite máximo de 90KG por pessoa. Isso se repetiu também quando tentei montar um touro mecânico em outra ocasião. Ir e vir é um direito garantido pela constituição, mas se você é uma pessoa fora do padrão (seja por ser gorda ou ser pcd) vai encontrar diversas barreiras e dificuldades que muita gente nem sabe que existe. Thati Machado para a coluna Gorda, sim! Encontre-a no instagram: @machadothati
- Violência contra a mulher
A violência doméstica é um problema de saúde pública que traz prejuízos à saúde mental da mulher e à sua integridade. A violência contra a mulher é caracterizada por cinco categorias: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A definição dessas formas de violência é dada pela Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, artigo 7º. "A violência doméstica é um problema de saúde pública que traz prejuízos à saúde mental da mulher e à sua integridade." Existem leis que teoricamente estão disponíveis para proteção e auxílio da mulher em situação de violência. Mas será que elas realmente oferecem segurança àquelas que denunciam? Ou será que a violência continua acontecendo mesmo após a denúncia? Não vindo do abusador, mas sim da sociedade. Quantas vezes ouvimos e vemos na mídia mulheres que denunciaram algum artista, por exemplo, e foram julgadas como mulheres que “querem fama” ou “querem dinheiro”? Quantas amigas você conhece que já passaram por uma situação violenta em algum relacionamento e nunca fizeram nada a respeito, por medo do que os outros iam pensar? E é aí que está o problema: a forma como as pessoas enxergam a vítima da violência; vítima que sempre tem os dedos apontados para ela, em vez de eles serem apontados ao agressor. O assunto violência contra a mulher está sendo, sim, mais comentado e conversado – vemos constantemente pessoas influentes fazendo campanhas, falando, conversando –, mas e no dia a dia, na mediocridade? O que está sendo feito? De que forma as informações acerca da violência chegam a todas? Muitas mulheres também não denunciam pois mal sabem que vivem uma relação violenta. Mas tudo bem, passando por essa problemática, o que acontece depois que a mulher faz a denúncia? Qual o sofrimento emocional que pode surgir? "De que forma as informações acerca da violência chegam a todas? Muitas mulheres também não denunciam pois mal sabem que vivem uma relação violenta. " Idealmente, a denúncia deveria ser feita e, como consequência, deveríamos nos sentir seguras, amparadas, tranquilas; e não, não nos sentimos assim. As pessoas têm o costume de duvidar da fala da vítima por conta da banalização da violência que acontece há muito tempo e continua até hoje. Enxerga-se a violência como algo irreal, que não aconteceu de verdade; tentam achar motivos para justificá-la, desvalorizando completamente o relato da vítima. Além disso, é muito comum jogar a responsabilidade na mulher, como se ela fosse culpada pela violência que sofreu. Quando uma mulher faz efetivamente a denúncia, ela sofre diversos julgamentos. Será que a violência aconteceu mesmo? O que será que ela fez para sofrer a violência? O que será que ela quer ganhar com essa denúncia? Com essas afirmações e julgamentos, a mulher sofre uma repressão social, é isolada, sofre com olhares tortos e tem sua integridade e seu caráter duvidados e violados, trazendo impactos emocionais e psicológicos na sua vida. A mulher, quando tem sua palavra desvalorizada e invalidada, pode desenvolver diversos sintomas, como baixa autoestima, insegurança, medo, isolamento social, dificuldade de confiar, perda de interesse, sintomas depressivos, ansiedade social, entre outras coisas. E agora você está se perguntando: “Poxa vida, mas, se vamos sofrer tanto assim, será que vale a pena denunciar?”. E eu entendo, mas, SIM, vale a pena, é necessário, é IMPORTANTE. Precisamos com muita urgência quebrar o ciclo no qual a violência contra a mulher se encontra e normalizar cada vez mais esse processo. De formiguinha em formiguinha, vamos criando uma comunidade, uma rede de apoio, e vamos ficando mais seguras das decisões que tomamos. "É muito comum jogar a responsabilidade na mulher, como se ela fosse culpada pela violência que sofreu. " Rodeie-se de pessoas que te ofereçam suporte e que sejam sua rede de apoio, e, a partir daí, vamos tentando quebrar a banalização que acontece com a violência contra a mulher. Se você está passando por algum problema, precisa de ajuda ou quer conversar, procure um profissional. Canais de denúncia: -180: Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência; -190: Central da Polícia Militar. Antonella Borghesi para a coluna empoderamento feminino Encontre-a no Instagram: @ psi_antonella
- TPM não é frescura
Você sabia que a Tensão Pré-Menstrual, famosa ‘TPM’ está listada no DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)? Ouvimos frases diversas quando temos algum comportamento um pouco mais irritado, triste ou impaciente: “ela deve estar de tpm”, “isso é tpm”, “deve estar menstruada”. Pode ser que sim, mas a expressão também aparece constantemente como uma forma de desvalorizar os sentimentos femininos. E, na verdade, a ‘TPM’ se enquadra como um transtorno mental durante seu período, pois oferece diversas alterações fisiológicas e emocionais para a mulher. ‘TPM’ não é frescura, não é fingimento, não é invenção, é REAL. No DSM V, a ‘TPM’ está caracterizada como “Transtorno Disfórico Pré-menstrual”, e tem como sinais e sintomas: Labilidade afetiva acentuada (p. ex., mudanças de humor; sentir-se repentinamente triste ou chorosa ou sensibilidade aumentada à rejeição). Irritabilidade ou raiva acentuadas ou aumento nos conflitos interpessoais. Humor deprimido acentuado, sentimentos de desesperança ou pensamentos autodepreciativos. Ansiedade acentuada, tensão e/ou sentimentos de estar nervosa ou no limite. Interesse diminuído pelas atividades habituais (p. ex., trabalho, escola, amigos, passatempos). Sentimento subjetivo de dificuldade em se concentrar. Letargia, fadiga fácil ou falta de energia acentuada. Alteração acentuada do apetite; comer em demasia; ou avidez por alimentos específicos. Hipersonia ou insônia. Sentir-se sobrecarregada ou fora de controle. Sintomas físicos como sensibilidade ou inchaço das mamas, dor articular ou muscular, sensação de “inchaço” ou ganho de peso. Dessa forma, podemos observar que os sintomas da ‘TPM’ podem interferir diretamente na qualidade de vida, relações familiares e sociais e no desempenho de tarefas e atividades, podendo gerar sentimentos de frustração e incapacitação. Porém trago a reflexão que os efeitos da ‘TPM’ podem ser controversos na sociedade. Da mesma forma que não é frescura, eles existem e acontecem, também pode aparecer como justificativa. É uma linha muito tênue entre a existência e a justificativa, e na verdade, acaba se enquadrando em uma longa e cansativa discussão sobre os diagnósticos, de que forma eles ajudam e de que forma atrapalham. A ‘TPM’ gera sintomas emocionais e físicos por conta da alteração hormonal que acontece com a mulher nesse período. Então não, a mulher não é “louca”, “chata”, “desequilibrada” nesse período, mas sim passa por uma mudança fisiológica que acarreta em sintomas psicológicos. E deveria ser tratada com mais naturalidade e empatia, ao invés de usar como peso. Vejo muitas falas do tipo “ela está de tpm, melhor não falar com ela”, ou “você surtou porque está menstruada”. Vemos uma desvalorização dos sentimentos femininos nesse momento, que sim podem estar mais acentuados, mas não deixam de ser sentimentos reais, que existem, e estão ali, às vezes trazendo sofrimento. E o que seria o ideal para lidar com a famosa e assustadora ‘TPM’? Deixar de ser assustadora… ser apenas um momento. Por que quando um homem chega nervoso do trabalho e explode, ele não é contestado ou questionado, não é visto com olhares de repulsa, apenas é aceito, e a mulher de ‘TPM’ é vista como um bicho de sete cabeças que precisa ser domado ou ignorado? Por que ignorar esse momento? Ao invés de ignorar, podíamos aceitar, entender e acolher! Antonella Borghesi para a coluna empoderamento feminino Encontre-a no Instagram: @psi_antonella
- Atividade física, prazer ou obrigação?
Quantas vezes ficamos imaginando que para sermos bonitas ou aceitas, devemos ter o corpo ideal, perfeito, adequado para a sociedade? Desde meninas somos criadas na ideia de que devemos praticar exercícios físicos para chegarmos a um corpo magro, esbelto, sem marcas. É ensinado que para alcançar esse corpo estabelecido pela sociedade, devemos nos “matar” diariamente com exercícios de alta intensidade e dietas insustentáveis. Menciono o “matar” pois a forma que tais práticas são realizadas hoje em dia, mais prejudicam do que trazem algum tipo de benefício. “O autoconhecimento, quando atingido, pode nos apresentar a realidade da nossa essência” Onde a saúde mental se encaixa no meio de tanta autocobrança, competição e frustração? Como seria a relação de nós mulheres com a prática de exercício físico, se ao invés de termos sido ensinadas a treinar para emagrecer, tivéssemos sido ensinadas a treinar para cuidar da saúde mental e física? Antes de estética, a prática de exercício físico traz inúmeros benefícios. Começando pela liberação de endorfina, hormônio que tem como consequência a sensação de prazer e bem-estar. Além disso, promovendo a qualidade de vida e prevenção de doenças. Porém, esses fatores são facilmente esquecidos enquanto vivemos em uma sociedade que impõe descaradamente o que é bonito ou não. Temos assim a chamada “ditadura da beleza”, que influencia diretamente na forma que nós mulheres nos enxergamos, afetando nossa autoestima. Com isso, a grande maioria tenta incansavelmente seguir rotinas surreais de exercícios e dietas para conseguir atingir um corpo inalcançável. Mas também temos um outro lado, o lado que realmente não sente prazer algum com o exercício físico, inclusive tem desgosto, porque praticar exercícios remete a ideia de seguir padrões sociais, se encaixar em uma regra, ser aceita socialmente. E é traumatizante e frustrante tentar alcançar algo que beira o impossível de ser alcançado. Todos os benefícios da atividade física são deixados de lado, pois desde sempre aprendemos que para sermos bonitas precisamos ser magras e para sermos magras precisamos treinar. Percebem como vira um ciclo? E como sair desse ciclo? Como deixar essa ideia de lado? Podemos tentar sair dessa espiral por um processo denso e trabalhoso de autoconhecimento e autoaceitação. Nesse processo, aprendemos o que gostamos, o que faz a gente se sentir bem, feliz e satisfeitas conosco, o que temos capacidade de fazer ou não, qual nosso objetivo, características e personalidade. O autoconhecimento, quando atingido, pode nos apresentar a realidade da nossa essência, resgatando nossa autoestima, deixando (quem sabe) um pouco de lado essa necessidade de aceitação social, encarando esses fatores, como a prática de exercícios, com um olhar de autocuidado, e não de obrigação. O que mais torço é que: a gente treine porque ama nosso corpo, e não porque odeia ele. Antonella Borghesi para a coluna Empoderamento Feminino Encontre-a no Instagram @psi_antonella
- E se Anna Delvey fosse preta?
Sim, estamos no mês das mulheres. E não. Esta coluna não vai romantizar sobre a importância da data, mas sim abordar a realidade de como a experiência de ser uma mulher em nossa sociedade ainda é muito diferente entre as mulheres brancas e negras. Não fui atrás do tema, mas ele veio até mim enquanto assistia Inventando Anna , série da Netflix produzida em parceria com a Shondaland , produtora televisiva comandada pela roteirista Shonda Rhimes, no ar desde fevereiro deste ano. Eu estava sentada observando as ações da golpista conhecida pelo nome falso Anna Delvey na plataforma, quando pensei: “E se Anna fosse uma mulher preta?”. Logo depois fiquei aterrorizada com as respostas que tive, pois dentro da minha própria linha de raciocínio fui levada a pensar que se ela fosse uma mulher negra, não teria sua vida glamourizada nas telas. É contraditório porque o pano de fundo da série é o feminismo. Ao longo da trama, a personagem traz a ideia de que o mundo não é igual para homens e mulheres e que por conta disso ela foi condenada à prisão. Isso acontece, mas no geral, o pacto narcísico da branquitude garante às relações entre os iguais, o que significa que raça vem antes de gênero. Dessa forma, o racismo estrutural cria uma vantagem para mulheres brancas quando se trata de questões como essa. Por isso, o feminismo dito universal não nos contempla porque ele simplesmente ignora as nossas demandas. Anna Sorokin foi presa por sete acusações, roubo de serviços, condenada por tentativa de furto em segundo grau e terceiro grau. Além da pena de 4 a 12 anos de prisão, cumpriu apenas dois, sendo autorizada a cumprir o resto em liberdade condicional. Ela reativou suas contas nas redes sociais e recebeu US$ 320 mil da Netflix para ceder os direitos de sua história de vida para a série. Isso não causará espanto na maioria das pessoas. Por quê? Porque ela é branca. A vida da mulher negra é marcada pela sensação de não pertencimento e pelo não direito de existir. A inferioridade ao qual somos forçadas não nos permite nem mesmo desenvolver a mesma autoestima que a personagem da série. Além disso, a própria divisão do espaço social é também racial. Somos questionadas até quando temos total condições de pagar por um produto ou serviço em algum lugar onde supostamente não é “lugar de pessoas negras”, ou quando simplesmente estamos em paz com nossos corpos. O Brasil hoje é o terceiro país que mais encarcera no mundo. No ranking de maior população carcerária feminina, ocupamos a posição de 4º lugar, com 37.828 mulheres, sendo 63,55% destas mulheres negras. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias ( INFOPEN ). E segundo dados do portal de notícias do Senado Federal , a necessidade de subsistência e a falta de alternativas para sustentar os filhos são os motivos que mais levam mulheres à prisão. Finalizo dizendo que o intuito não é encorajar atos criminosos, mas sim mostrar que desigualdades persistentes neste nível, deixam evidente que existem grupos sociais que sim, possuem o controle direto ou indireto sobre os sistemas institucionais que agem de forma mais branda com uns e mais severas com outros. Saber que isso existe também entre nós como mulheres, nos permite criar um olhar mais crítico e coloca em nossas mãos a responsabilidade de mudança. Tatiane Alves para a coluna Várias Vozes Encontre-a no Instagram @tatialvesreal * Tatiane trabalhou na área de comunicação do ID_BR
- Ler é o maior barato, e eu posso provar!
Estive na quinta edição da Ler 2022 – Festival do Leitor –, evento que recebeu cerca de 256 mil visitantes entre os dias 9 e 15 de maio, no Píer Mauá, e tornou-se Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Fui em dois dias seguidos e fiquei impressionada com como a arte de escrever foi posta à prova, para mostrar que a literatura pode e deve ser abordada de forma multidisciplinar, junto a todos os outros tipos de linguagem. Todas as atividades aconteceram de forma simultânea, multimídia, em tempo real. E, como se o evento quisesse, em contrapartida, surpreender as pessoas que passaram por lá, mostras de José Saramago e Clarice Lispector ganharam um espaço especial. Visitei com máxima atenção todo aquele universo em páginas escritas. Havia uma espécie de magia, dessas que só as palavras são capazes de criar. Eu, que ainda estou aprendendo a me render ao poder delas, vi velhos amigos e timidamente fiz novos por lá. Bati um papo de dez minutos com a Eliane Alves Cruz, jornalista e escritora, autora da obra O crime do cais do Valongo, um romance cujo desfecho – sem spoiler – todo mundo deveria ler, e fiquei chorando num cantinho pra ninguém me ver, mas minutos depois corri para o Maracanãzinho, onde ninguém brilhou mais que a autora Chimamanda Ngozi Adichie. Antes do papo mediado pela filósofa Djamila Ribeiro, a também inspiradora Luana Génot subiu ao palco. "Havia uma espécie de magia, dessas que só as palavras são capazes de criar." Ela foi uma mestre de cerimônias generosa, e suas palavras empolgaram um público que, provavelmente, nunca antes tinha visto, em um mesmo evento literário, três mulheres negras juntas. Eu mesma nunca tinha visto isso! As três autoras, protagonistas de suas próprias histórias, com trabalhos que impactam diariamente a vida de muitas pessoas, mulheres, negras e vivas. Vivas! Isso mesmo. Chimamanda, em um certo momento de seu discurso, disse: “Eu sou mulher negra e, se precisasse voltar à vida novamente, voltaria do mesmo jeito”. Então, eu chorei novamente, assim baixinho e quietinha no meu assento privilegiado dentro do ginásio, e nem sequer ousei olhar pra cima, temendo que alguém me visse aos prantos. Não sei se vocês já tiveram a chance de viver uma epifania. Bem, eu tenho certeza de que vivi um naquele dia. Eu estava totalmente imersa e comprometida com a sensação latente de esperança. Percebi que nossas trajetórias negras no mundo, ainda que fizéssemos muito esforço para tal, nunca são individuais. Elas sempre perpassam e atravessam mais pessoas, porque o passado é um fio ligado ao tempo presente. Talvez, por isso, ler seja tão necessário; ler sobre nós, sobre o mundo e sobre todas as outras coisas. Talvez, por isso, contar histórias também. Em tempos em que pouco paramos para refletir sobre qualquer assunto, ler, escrever e compreender deveriam se tornar nosso compromisso diário. Nos dias em que estive na Ler, eu entendi: as maiores catástrofes e bênçãos da nossa vida humana têm como pano de fundo uma grande história. E, com isso, finalizo contando a vocês o assombro que vivi ao ver uma juventude reunida debatendo literatura com tranquilidade e confiança e todo mundo muito interessado em decifrar o fascinante mundo dos livros. Sim, leitoras, a juventude se fez presente. Unindo pós-modernidade ao clássico, eles estavam por lá em todos os cantos de olhos, ouvidos e bocas atentas; interessadíssimos em compreender tudo, para construir um futuro que resista por mais tempo ao nosso esquecimento, e em reafirmar que ler é o maior barato. Tatiane Alves para a coluna várias vozes Encontre-a no Instagram: @tatialvesreal


















