Quando olho pra dentro, hoje, vejo uma mulher que se surpreende com acontecimentos altamente previsíveis na vida de qualquer pessoa. Aí penso: inadmissível! Racionalmente, realmente, inadmissível, mas afetivamente compreensível. Ou será que estou assegurando-me um beneplácito não merecido? Talvez!
Diante do ponto em que minha idade me coloca, considero que deveria receber certas coisas da vida com nenhum susto, mas sim com muita serenidade. Olhando com a razão, não deveria sofrer tanto com episódios já no roteiro da vida de qualquer um.
Entretanto, não é assim que venho experimentando e vivenciando momentos já há muito escritos nas estrelas. Tento refletir em busca do autoconhecimento de forma a não me deixar levar, emocionalmente, pela rotina da vida. Analisando como tenho enfrentado tais “surpresas”, sinto-me frágil e até imatura, mesmo com mais da metade da vida vivida.
Novamente: inadmissível! Grita a razão, deixando-me envergonhada, pela falta de preparo para encarar cenas já previstas no “script” inicial.
Meu pai partir antes de mim? Eu, e toda a torcida tricolor, temos ciência que os pais partem antes dos filhos, seguindo uma ordem natural da vida… seguindo um ciclo de conhecimento de toda a humanidade. Então, de onde vem todo o susto, todo o despreparo e toda a surpresa que me assolou a um ano atrás? Vem lá do fundo. De um fundo imaturo, diferente da superfície equilibrada e bem arrumada. Sei que a tristeza que se torna saudade estará presente sempre em todas as situações: as previsíveis e as não previsíveis. Olho para o lado e vejo filhos, que como eu perderam seus pais, reagindo como eu. Talvez não seja imaturidade. Talvez seja apenas humanidade.
Filhos… desde que nascem repetimos e ouvimos que não os criamos para nosso prazer e realização. Concebemos, cuidamos, educamos e amamos nossos filhos para o mundo. Esse é o mantra. É o que repete sem cessar a razão. Assim quando chega a hora de entregar-lhes ao mundo não deveria haver surpresa ou tristeza, mas sim um sentimento do dever cumprido, ao vê-los serem capazes de voar com as próprias asas. Sim, esse sentimento existe e é até lisonjeiro, pois é recompensador ver nossos filhos serem capazes de trilhar seus caminhos com as próprias pernas. Pernas fortalecidas com toda a bagagem que lhes foi proporcionada pelos pais ao longo da infância, adolescência e juventude. Valores, exemplos, educação e amor muito amor, eis os ingredientes que permitem nossos filhos caminharem sem segurar em nossas mãos, como foi essencial um dia.
Hoje sinto muito orgulho dos homens que meus filhos se tornaram. Muitos ingredientes foram necessários. Muitos deles foram vivenciados no seio de nossa família, enquanto o caminhar seguro dependia de nossas mãos. Vejo outros ingredientes presentes, tais como: maturidade, perseverança, esforço e dedicação ao estudo, equilíbrio e resiliência. Tudo isso os tornará capazes de caminharem em direção à realização de seus sonhos e da felicidade. Tenho certeza disso, o que me dá tranquilidade e orgulho. Sinto-me realizada como mãe, não por eles já terem alçado pleno voo, mas sim por percebê-los capazes de identificar seus sonhos e equipados para um dia alcançarem seus objetivos.
Este largar das amarras estava previsto, caso tudo corresse bem e correu. Não é surpresa vê-los seguir seus caminhos sem procurar minha mão para guiá-los. Estava no “script” desde que nasceram. Sei que possuem “ferramentas” forjadas inicialmente no seio da família e depois buriladas nos bancos escolares. E por que não dizer também buriladas na escola da vida? Vê-los capazes de construir seus próprios sonhos e correrem atrás deles me enche de orgulho.
Entretanto quando vejo seus quartos vazios sinto o mesmo que as aves sentem ao verem seus ninhos vazios. A palavra é exatamente essa: vazio! Vazio de barulho, de risadas, de preguiça, de debates, de discursos e até de preocupação com a febre ou com a hora de retorno da balada. Também um receio de perder o vínculo e a cumplicidade, pois outras demandas serão apresentadas a eles. Contas a pagar, esposa, filhos… Será que haverá espaço para os pais nessa nova vida? Eis uma pergunta que não se cala. E justo em um momento da vida de fragilidade dos pais, em que a velhice lhes bate à porta.
Sei que sentirei falta da Tv alta nos quartos deles, como senti falta das peraltices e até de trocar-lhes as fraldas. Sentimentos contraditórios: orgulho e vazio… Não adianta explicar-lhes essa contradição, só entenderão quando vivenciarem a experiência do ninho vazio com seus próprios filhos. Assim como só agora entendo meus pais quando parti da casa deles, assim como fazem meus filhos hoje.
Filhos, batam suas asas, sigam seus caminhos, mas de vez em quando olhem para trás e vejam que estaremos sempre aqui, como seus portos seguros desde o dia que vocês nasceram.
Matéria de Rita de Cássia para a coluna Empoderamento Feminino
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